2016: grandes álbuns e demasiadas despedidas
Se houve ano ingrato com a música, foi, sem dúvida, 2016. Pelas contas de um amigo meu, foram nada mais, nada menos, que 17, os músicos que nos deixaram, dois dos quais fadistas (Fernanda Peres e o açoriano José Pracana) que abriram e a fecharam este malogrado 2016.
Pelo meio tivemos David Bowie,Prince, Leonard Cohen, George Michael, só para citar alguns – os mais famosos, por sinal. Ainda uma nota de destaque: 2016 reduziu o supergrupo de rock progressivo Emerson, Lake & Palmer a… Palmer.
Já circulam rumores que Mick Jagger e Keith Richards estão desesperadamente à espera das 12 badaladas desta noite! Que 2017 seja bem mais simpático para a música. Até lá, ficam os álbuns mais marcantes de 2016 para a equipa do Meia de Rock. | Lázaro Raposo
Capitão Fausto – “Capitão Fausto têm os Dias Contados” | João Cordeiro
À partida, a ironia não podia ser maior: uma banda jovem, com uma carreira impressionante, em contínua fase ascendente, anunciar o seu fim através de um enigmático título de um novo álbum: “Capitão Fausto Têm os Dias Contados”. Será mesmo?
Os Beatles são, porventura, a banda mais frequentemente referenciada como influência na sonoridade de artistas em todo o mundo. E, se no caso dos Capitão Fausto, esta influência – que o baixo Hofner de Domingos Coimbra sempre deixou perceber – era subtil nos dois primeiros álbuns, agora, parece clara, e parece vir de um álbum em particular: “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”.
Tal como a ‘obra prima’ dos Beatles, “Capitão Fausto Têm os Dias Contados” pode ser considerado um álbum conceptual – quer esta tenha sido uma escolha intencional, ou não – uma vez que há um tema que parece ser transversal a todo o disco: a chegada à idade adulta – não à maioridade legal, dos 18 anos, mas à idade que exige responsabilidade, independência e escolhas.
“Saber que aos 26 não posso mais empatar, morro na praia a vinte passos de ser um gajo formado, um gajo pronto a vingar”. O álbum marca esta encruzilhada, de dúvidas e angústias, em que se olha para trás, para o que se fez, e se olha para a frente, para o que se quer fazer. “Sair debaixo das saias da mãe, onde se está tão bem” e passar a ter “o fisco à porta” é crescer.
A frase com que termina o álbum – “Nunca esquecer que a mocidade chegou ao fim” – não deixa dúvidas: afinal não é ironia, os Capitão Fausto têm mesmo os dias contados. A banda continua, mas eles nunca mais serão os jovens estudantes sem responsabilidades. Agora são adultos. Felizmente, esta condição nunca foi obstáculo para continuar a escrever grandes canções!
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Medeiros/Lucas – “Terra do Corpo” | Manuel Silva
Prendem-se as amarras e pisa-se terra firme. Para trás fica a maresia, o sal, a pele pelo sol gasta. A insularidade não, esta nunca fica para trás, esquecida. Esta acompanha-os sempre – a qualquer ilhéu -, por mais distantes que estejam do mar, da costa e da vida marcada pela “embriaguez do isolamento” que inevitavelmente invade a alma de qualquer destes Homens.
Para trás fica o “Mar Aberto” e a música de marujo. Agora há Medeiros/Lucas em terra firme, a observar o mundo e o Homem. Depois da longínqua viagem até aos confins da açorianidade, “Terra do Corpo” é o esperado regresso da dupla, onde a lírica assume uma nova forma e um incrível protagonismo. João Pedro Porto tem a palavra, Carlos Medeiros dá-lhe vida.
A ode ao vazio. Ao vazio que se vive numa sociedade onde é mais fácil saber a côr da sola do chinelo do filho de um jogador de futebol do que saber o nome do vizinho. Ao vazio interior, de ideias, de soluções, de verdadeira falta de identidade. A intervenção, a música de Abril deste disco é isso mesmo – uma grande chamada de atenção aos estranhos tempos em que vivemos, imersos numa crise económica e financeira, imersos numa crise de pessoas e de valores.
A inconfundível sonoridade que une a contemporaneidade de Pedro Lucas à tradição de Carlos Medeiros continua viva, sempre com um novo caminho por onde ir, sem nunca esquecer o que ali a trouxe. Juntam-se ainda nomes como Carlos Barretto e o seu formidável contrabaixo, Tó Trips dos Dead Combo e a profunda voz de Selma Uamusse e tem-se um dos grandes álbuns de 2016. Mas talvez seja mesmo o jogo da lírica de João Pedro Porto o ónus da clausura inevitável de “Terra do Corpo” – aquelas simples e enigmáticas letras que prendem tudo, que prendem todos.
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Esperanza Spalding – “EMILY’S D+EVOLUTION” | Fio de Beque
A bela e virtuosa baixista de Portland, a mesma que chutou para canto Florence + The Machine, Justin Bieber, Drake e Mumford & Sons nos Grammy de 2011, voltou às edições em 2016. Andando desta vez perdida nos terrenos privados de Primus e Jane’s Addiction, faz-se passar por Emily. “Good Lava” é a porta de entrada para um universo caleidoscópico de cor e som, que nos contará a história desta criativa, inquieta e colorida personagem, o seu alter-ego mais infantil, através de um som inaudito nos registos anteriores. Por mim tudo bem, parece ter tudo para ser bem mais apetecível.
Gosto de álbuns conceptuais. Gosto daquele elemento que nos obriga a escutá-los de fio a pavio, correndo o risco de se tal não fizermos, perdermos o real significado e objectivo da obra. Num presente em que conta mais o shuffle do que o repeat all, aparece-nos Emily’s D+Evolution com sérias intenções de desafiar o paradigma.
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