A presença constante do som dos motores de um avião – sendo positiva, do ponto de vista da garantia de chegada em segurança ao destino da viagem aérea – é um elemento perturbador da audição cuidada de canções. Especialmente se as estamos a ouvir pela primeira vez, porque o ruído de fundo esconde os detalhes da produção, por menos subtis que sejam.

Talvez por isso, o mais recente álbum de Keith Richards – o lendário guitarrista dos Rolling Stones – que ouvi a bordo de um avião entre Lisboa e Ponta Delgada, tenha, inicialmente, sido descartado como uma hipótese relevante para figurar neste espaço.

Porém, depois de ver um documentário produzido pela Netflix sobre a carreira de Keith Richards, e particularmente sobre “Crosseyed Heart”, senti a obrigação de dar uma verdadeira oportunidade ao disco.

Espreitar o homem que se esconde por trás da personagem pública de Keith Richards fez-me também ouvir as músicas com outro interesse. “Under the Influence” mostra um Keith Richards muito diferente da personagem pública criada ao longo de anos de exposição mediática, nem sempre pelas melhores razões. O documentário mostra um Keith calmo, ponderado, amigável, respeitador, sorridente, humilde e um homem que cuida da sua família. Mas nem tudo o que conhecemos sobre ele é mito: o cigarro está sempre lá, e o whisky surge com frequência.

Aliás, Keith Richards já foi tudo – ou quase tudo – aquilo que imaginamos, mas – ao contrário do que possa parecer – talvez o tempo também passe por ele. E sete décadas são bem capazes de mudar uma pessoa.

Recordo, a propósito, a pergunta da capa da Revista Blitz de Outubro: “Que mundo lhe vamos deixar?”. De facto, parece que Keith será eterno. Quanto ao álbum, fica a recomendação para uma audição atenta.