Agulha de Vinil: The Köln Concert


med24horas

Em Janeiro de 1975, em Colónia, Alemanha, um pianista de 29 anos chamado Keith Jarrett, e que na altura já não era totalmente desconhecido (já tinha tocado com Miles Davies e Charles Lloyd), entra no Oper der Stadt Köln para dar um concerto de piano a solo para uma audiência lotada de 1400 pessoas. Tendo havido confusão com o piano que Jarrett tinha pedido, o instrumento que efetivamente estava em palco era um piano destinado apenas a ensaios, estando desafinado e em péssimas condições, com os pedais a não funcionarem corretamente e com um som débil, facto que apenas foi descoberto pelos organizadores tarde demais. Jarrett, que chegou ao teatro cansado de uma longa viagem e sem dormir bem há várias noites, descobrindo que o instrumento disponível era aquele, e que não havia tempo para o substituir, quase cancelou o concerto. Os técnicos de som decidiram também que iam gravar o concerto, nem que fosse para os registos do teatro, e colocaram os microfones para a gravação.

Keith Jarrett, hoje um pianista reconhecido e com um lugar na história do jazz, começou a tocar piano aos três anos de idade, tendo-se tornado músico profissional ainda adolescente. Ao longo da sua carreira tocou com alguns dos melhores músicos de jazz de sempre e é reconhecido por conseguir conjugar vários estilos musicais, desde o blues, o gospel e a música erudita. Gravou também várias obras clássicas para teclados de J. S. Bach, em que destaco “O Cravo bem temperado” e as fenomenais “Variações Goldberg”. Atualmente apresenta-se com o baixista Gary Peacock e com o baterista Jack DeJohnette num trio dedicado ao jazz.

Naquela noite fria de Colónia, nem Jarrett imaginaria a obra prima que em breve iria ser gravada num álbum que foi um dos mais vendidos de sempre na história do jazz, ultrapassado 3,5 milhões de vendas.

O concerto foi totalmente improvisado, salvo alguns trechos que Jarrett já teria em mente (as opiniões aqui divergem) e o pianista tirou o máximo partido do instrumento que tinha em mãos, arranjando maneira de dar a volta às limitações que o instrumento desafinado possuía.

Para mim, este é o melhor registo de um concerto de piano de sempre, porquanto Jarrett, arrebata-nos consecutivamente durante 66 minutos de música tocada por um instrumento por vezes desenfreado, com a mão esquerda marcando o ritmo e a direita na busca por uma melodia que se funde na intimidade entre o pianista e o piano, ressalvando o misto de técnica e criatividade. Mas esse domínio do instrumento não explica na totalidade este resultado, ele não dá a entender que foi fácil, o talento aqui não é tudo, pois há uma total entrega do artista numa “luta” cerrada com o piano que tinha em mãos, sente-se o suor do artista, as suas insónias dos dias anteriores vingam-se naquele momento.

Este é um trabalho que não foi planeado para ficar assim, é o resultado de condições especiais e singulares que se desencadearam para dar lugar a uma obra-prima, um disco intemporal para se ouvir milhares de vezes ao longo de várias fases da vida, e mesmo assim ir-se descobrindo fragmentos que outrora passavam despercebidos e que agora se notam. Aos poucos, e à medida que o vamos ouvindo, fico sempre com a sensação privilegiada de que estou a assistir ao processo de criação no momento em que o piano é tocado.