Azores Burning Summer: assim se faz um festival


Alguns poderão dizer que há demasiado som pré-feito, muito sample e som sintetizado. Os mais radicais poderão até dizer que há algo de menos verdadeiro naquela actuação. Mas não, nada disso. Surma veio à ultima noite de Azores Burning Summer com simplicidade e alma, numa actuação que recorre a sons pré-gravados, é certo, mas que não deixa de ser genuína nem por um segundo. Com a sua caixinha mágica, de guitarra em punho e com a sua doce voz, Surma vai construindo as suas músicas aos poucos, gravando e reproduzindo sons, sempre sem perder o Norte, até resultar num som mágico, simbiose perfeita entre digital e o orgânico.

E se há som orgânico é o de Medeiros/Lucas. Aqui há canção de peito aberto, seja proveniente do fundo da alma ou da vida de marujo. Na verdade, o saltitar entre álbuns, “Mar Aberto” e “Terra do Corpo”, com temáticas muito distintas, é pouco sentida. A intensidade e densidade da música de Medeiros/Lucas – muito influenciadas pelo peso da voz única de Carlos Medeiros – ultrapassa toda e qualquer diferença lírica entre os dois registos, guiando-nos numa actuação que toca a alma, numa actuação de perder o norte. Na despedida, zarpou o “Navio” e ficou a saudade.

Agora a viagem a outra dimensão marcada para o final da noite – no alinhamento que entendíamos o mais adequado. Não estiveram em palco muito tempo, mas os Sensible Soccers conseguiram algo que nem todos conseguem – transportar-nos para outra dimensão. Com uma interessante projecção a deixar a banda em contraluz, sem grandes folclores e protagonismos desnecessários, os Sensible Soccers entregaram-se de corpo e alma com a sua electrónica de crescendos sublimes e linhas de baixo viciantes, numa performance que não deixou ninguém indiferente.

No seu lugar deixamos Bonga – reza a lenda que o melhor fica sempre para o fim. Do alto dos seus 75 anos – sim, o homem tem mesmo 75 anos – Bonga trouxe ao Azores Burning Summer uma das mais divertidas actuações de sempre. De piada fácil, reco-reco em riste e, mais importante ainda, com um repertório repleto de músicas de pura felicidade, o músico angolano transformou o parque dos moinhos num verdadeiro salão de bailarico. O público dançou, riu, cantou e voltou para casa um bocadinho mais feliz. “Ainda agora comecei e vocês já estão no ponto!” – com Bonga difícil é não estar no ponto. E continuou mesmo tudo no ponto até ao último acorde.

Passou rápido, é certo, mas a verdade é que o Azores Burning Summer já deixa saudades. Deixa saudades e a certeza que temos festival de peso na cena musical açoriana. Aqui há um alinhamento equilibrado, sem mania das grandezas, com boa música e muito boa disposição, e, acima de tudo, há um espírito de festival próprio. Só nos resta esperar para ver mas, a seguir o seu rumo sem distracções, o Azores Burning Summer pode bem vir a ser um dos festivais definitivos dos Açores.

F: André Frias (c) ContraTempo.com

 

Foto: André Frias © Contratempo.com

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Fantástico? Sim, mas sempre há lugar para melhoria

Se é verdade que o Azores Burning Summer está feito num verdadeiro festival de Verão, com alma e boa música, não é menos verdade que há sempre lugar para melhorias. À parte do açorianamente típico incumprimento de horários – em parte também devido a um alinhamento que previa apenas uma hora de actuação para a maior parte dos artistas -, há também que dar atenção aos aspectos que menos têm a ver com música. É também certo que as melhorias em relação ao ano transacto são evidentes e que é muito difícil conseguir chegar a tudo, mas não podemos deixar de sugerir atenção a aspectos ao nível de dimensionamento de casas de banho e de oferta alimentar, a título de exemplo.

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Foto de destaque: André Frias © Contratempo.com

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