Na pequena baía da Praia dos Moinhos, no Porto Formoso, ouve-se um blues de encher a alma. Naquele pequeno palco, montado na esplanada do bar da praia, os Boots Reunion vão dando música aos muitos festivaleiros que fizeram questão de não perder aquela que será uma das grandes promessas da nova música feita nos Açores. O sol vai baixo, o final de tarde pinta a encosta em tons quentes, e a ideia de que estamos perante um festival especial ganha cada vez mais força.

A primeira noite do Azores Burning Summer, que, para mal dos nossos pecados, não tivemos oportunidade de assistir, adivinhava-se quente com Elida Almeida, Fogo Fogo e Luso Baião. Ainda assim, com um alinhamento simplesmente incrível, era a noite de sábado que nos tirava o sono – e com toda a razão.

Depois da abertura de noite perfeita, num claro crescendo, com a eletrónica capaz de nos fazer viajar dos PMDS, era a vez de nos convertermos ao mundo funk. Da Chick trouxe-nos um Cocktail cheio de “soul, jazz, funk e muita classe”! Num espetáculo especial para artista Discotexas – até o cinto do seu robe era uma recordação muito especial dos seus primeiros tempos como karateca –  tivemos a sorte de ter um concerto com banda, com uma presença extraordinária em cima do palco e com uma pista de dança repleta de festivaleiros a abanar o esqueleto. “Shake that ass!” – Da Chick nem dava margem para ficarmos quietos. No final, direito até para uma foto de família, o que, ao que parece, não é nada comum nos espetáculos de Da Chick. Nos Açores, “Lotta Love” para todos!

Em contraste com a festa de saltos, subidas à mesa de som e dança sem fim de Da Chick, a sobriedade dos Orelha Negra. Aqui o que importa mesmo é a música. Num espetáculo sem paragens, projeção hipnotizante, poucas conversas e uma perfeição técnica assustadora, o tempo voa. Não há margem sequer para encore, mas, talvez pela mestria do seu último e fantástico álbum, fica a certeza de este ter sido o melhor concerto que já vimos da turma de Sam The Kid.

Para o concerto da noite não houve Marta Ren ou Shermar, mas houve um enorme, gigante, Ghetthoven em palco com Moullinex. A abrir o concerto que se adivinhava memorável, de plumas rosa, lábios pintados e uma presença simplesmente incrível, Gethhoven, com o seu bigode à 70s, cantou, ainda que dobrado por Marta Ren, “Like a Man”. Logo a seguir, em moldes similares, ouvíamos pela primeira vez ao vivo uma das nossas preferidas de sempre – “Deja Vu”, do já longínquo Flora. Era o início do que parecia – e seria – um dos melhores concertos de sempre no Azores Burning Summer. Moullinex veio com tudo para um lugar que lhe é feliz, virou o público do avesso com temas dos seus fantásticos três álbuns, saltou para a plateia para curtir com o povo, trouxe um performer de outro mundo e ainda fez crowdsurfing em cima de um grande ananás insuflável “roubado” a uma especial fã. Se isto não ficar, para sempre, na nossa memória, o que ficará?

O festival mais ecológico de São Miguel já lá vai, mas, depois de mais um ano, começamos a ficar descansados – parece que estamos perante um festival que, com a continuidade que nos tem habituado, continuará a trazer uma oferta única no panorama dos eventos musicais aqui na ilha. Se há margem para melhoria? Há sempre. A freguesia tem que se preparar melhor para receber este volume de pessoas e, mesmo no recinto, poderão haver melhorias, seja ao nível dos sanitários ou até em alguns espaços que poderiam ser melhor aproveitados, por exemplo. No entanto, apesar de alguns pormenores a limar, a verdade é que estamos perante o festival de verão mais interessante, mais equilibrado, mais confortável e mais coerente da ilha de São Miguel. Aqui há espaço para desfrutar os espetáculos, há tempo para ver tudo, sem pressas, há toda uma decoração que nos eleva o espírito e, acima de tudo, há uma seleção musical que nos enche a alma. Só chega no final do verão, mas a espera vale bem a pena – nenhum festival por cá nos deixa tão felizes.

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Fotos: © André Frias / Contratempo.com