BRUMA Project – o projeto que quer levar a riqueza açoriana a novas paragens


Passados dois anos de interregno, os BRUMA Project voltam agora em força. O disco de apresentação da banda saí depois do verão e temas de autores como Zeca Medeiros, Luís Alberto Bettencourt, Bruno Walter Ferreira e Aníbal Raposo fazem parte deste disco. Estivemos à conversa com a vocalista Sara Miguel.

 

Sara, do Norte às ilhas. O que é que a trouxe ao atlântico? Porquê os Açores?

Vim fazer um concerto à Terceira pela primeira vez no Verão de 2013 com o meu projecto acústico em duo, os Peanut Butter Jelly. Nunca tínhamos estado nos Açores, e desde o momento em que aterrámos ficámos maravilhados com a beleza natural da ilha Terceira, com o ritmo de vida descontraído e a alegria das pessoas. Após alguns meses a considerar a hipótese, e estando numa fase da minha vida em que precisava de novos desafios, decidi mudar-me para cá para tentar desenvolver um trabalho diferenciado na ilha a nível da performance e também da formação musical. Curiosamente, e mesmo sendo um meio mais pequeno e com limites artísticos mais apertados, desde que estou cá, tive oportunidade de fazer várias coisas que no continente ainda não tinha feito, como colaborar como cantora numa orquestra de jazz, trabalhar com vários músicos de referência no panorama nacional e gravar um projecto que realmente me diz muito como é o BRUMA Project.

 

O BRUMA Project é formado por pessoas que têm diferentes origens. Como é que surgiu então este grupo de artistas?

Este projecto surgiu do encantamento que a música açoriana exerceu sobre mim a partir do momento em que cheguei e comecei a conhecê-la e absorvê-la. Aos poucos, comecei a pensar que me realizaria muito gravar um disco onde pudesse revistar aqueles clássicos tradicionais e da geração de 80, mas dar-lhes uma roupagem mais actual, mais de fusão estilística, que pudesse chegar a públicos diferentes e também às gerações mais novas que estão já mais distantes deste património. Pensando no tipo de trabalho que pretendia, comecei a pensar nas pessoas certas para o fazer, e cheguei à conclusão que o projecto beneficiaria de uma partilha entre músicos continentais profissionais que trouxessem a versatilidade e criatividade na improvisação e a segurança técnica e também músicos açorianos que tivessem bem entranhadas estas referências musicais e o amor por este que é o seu património cultural. Embora eu já tivesse trabalhado com quase todos individualmente, muitos deles não se conheciam e foi super interessante ver o grupo a pouco e pouco a ganhar familiaridade e a criar laços e esse processo a espelhar-se na música que fizemos. Foram apenas duas semanas de trabalho, o que para planear, construir e gravar um disco é muito pouco tempo, mas isso também tornou o processo mais intenso, mais pessoal e mais desafiante. Fazer este trabalho com o Gonçalo    Moreira, o Michael Ross, o Alexandre Frazão, o Luís Senra, o Roberto Rosa, o Zeca Sousa e o Mário Barreiros foi sem dúvida a experiência profissional mais gratificante e completa que tive até hoje.

 

Qual é o objetivo dos BRUMA Project?

Como já referi, reconhecia na música açoriana muito potencial transformador, por isso o objectivo era gravar um disco em que a usássemos com uma fórmula distinta das já utilizadas, com uma riqueza adicionada de outras influências das quais ela mesma já nascera – o arquipélago formou-se e povoou-se por uma confluência de diversidades, e o carácter da sua música é também um resultado dessa mistura. Eu queria sobretudo pegar nas palavras e melodias que que eram o coração verdadeiro das canções e dar-lhes outros vestidos, usar os estilos que nos inspiram a todos – o jazz, o soul, a música brasileira e latina, os ritmos africanos – para encontrar outros moldes em que a música açoriana não se limitasse, mas antes ganhasse dimensões diferentes e se expandisse. O nosso objectivo último é, na verdade, conseguir um produto fresco e original que possamos ‘exportar’ e apresentar tanto nos Açores, como no continente e também no estrangeiro, dando uma nova voz e uma expressão mais alargada à música das ilhas e a um trabalho original produzido na Terceira.

 

Estive a ver alguns vídeos vossos no Youtube (deixe-me dizer-lhe que a vossa versão de a “Canção do Medo” está fantástica!) e, portanto, reinventam canções conhecidas, dando-lhe um toque de Jazz. Para este trabalho podemos esperar que canções?

Muito obrigada! Esse foi um dos temas que mais gostámos de trabalhar e que nos tocou mais profundamente, daí termos decidido que seria o primeiro a ser mostrado. No final do Verão, contamos apresentar o próximo single, a nossa versão do tema tradicional terceirense “O Sol” imortalizado por José da Lata. Na verdade, uma das grandes dificuldades que tivemos neste projecto foi escolher os temas a gravar sabendo que só poderíamos gravar cerca de dez. É um resumo virtualmente impossível olhando a todo o repertório existente dividido por tantos compositores incríveis! Além de um levantamento de muita música tradicional de autor que fiz inicialmente, as colectâneas “7 Anos de Música” e “25 Anos de Música Original nos Açores” foram os nossos grandes pontos de partida e inspiração para a escolha. Depois, houve temas que tínhamos incluído na selecção final e que retirámos, ou porque os arranjos não nos pareciam tão fortes como outros, ou porque não chegávamos a uma versão que nos agradasse totalmente e que nos parecesse honrar o original. Assim, a lista final que vai aparecer no disco não é um resumo representativo – é simplesmente um conjunto de temas que adoramos e que fluíram bem durante o nosso trabalho. Ainda não tínhamos acabado de gravar e já sentíamos que muita coisa bonita teria de ficar de fora, por isso ficou logo latente a vontade de fazer outro disco a seguir que pudesse incluir mais temas e onde pudéssemos dar seguimento a este tipo de trabalho. Neste disco, poderão ouvir temas como “Os Bravos”, a “Canção da Terra”, a “Chamateia” e a “Maré e Natividade”, entre outros que queremos deixar no segredo dos deuses para já.

 

Podemos dizer que a improvisação tem um papel importante na vossa música?

Sem dúvida! Muitos dos músicos dos BRUMA têm formação e trabalham em áreas ligadas ao jazz e à música improvisada, por isso a improvisação, a criação espontânea no processo musical é algo que nos é muito natural e que completa o processo criativo para nós. É como se, ao improvisar, nos sentíssemos mais em conexão com a mensagem musical que queremos passar e num contacto mais directo e dialogante com os outros músicos, o que torna o nosso som muito mais coeso e o grupo muito mais ligado. Além disso, sempre pensámos na inclusão da improvisação neste projecto como uma das ferramentas fundamentais para tentar distanciar-nos das versões originais dos temas e torná-los em unidades musicais mais exploratórias. Com estes músicos envolvidos no projecto, a ideia só faria sentido desta forma, dando-lhes espaço para encontrar liberdade na improvisação e a possibilidade de explorar a sua individualidade criativa dentro da nossa música.

 

Nas vossas músicas vemos influências de Jazz, Música Tradicional, Música Improvisada, Música Açoriana e Músicas do Mundo. Quem são os vossos ídolos musicais? E para a Sara, quais foram os discos mais importantes na sua aproximação ao Jazz?

Penso que todos os músicos ficaram a admirar tanto quanto eu os autores açorianos. Alguns deles não conheciam a fundo o trabalho do Zeca Medeiros, do Luís Alberto Bettencourt, do Bruno Walter Ferreira ou do Aníbal Raposo (os autores que incluímos no disco) e ficaram muito surpreendidos com a panóplia de grandes temas que se fizeram cá ao longo dos anos e que muitas vezes não chegam a ser conhecidos lá fora. Todos adorámos pegar naquelas canções e fundi-las com os nossos estilos e linguagens de referência. A nível de influências, só posso falar com propriedade sobre as minhas. Não posso dizer que tenha ídolos e sou bastante ecléctica no que ouço, gosto de muitas coisas diferentes e tanto ouço música erudita, como os clássicos do início do século XX, como a música mais recente que passa na rádio. Agora, a nível da minha formação em jazz, houve cantores e instrumentistas que foram a base para o meu estudo do estilo e cujo trabalho admiro imenso e me influencia de uma maneira ou de outra – entre eles, posso referir a Ella Fitzgerald como figura central, mas também o Chet Baker, o Miles Davis, o Herbie Hancock, a Sarah Vaughan, a Julie London, a Nina Simone ou o Nat King Cole. Falando em discos fundamentais, posso referir o “It Could Happen to You” do Chet Baker, o “Kind of Blue” do Miles e qualquer colectânea da Ella Fitzgerald ou do Nat King Cole – seriam os que eu levaria para uma ilha deserta!

 

Têm vários projetos em mãos. Para além de ser o resultado do vosso grupo de artistas, como se distingue o BRUMA Project dos outros projetos em que estão envolvidos?

Sinto que os projectos que tenho desenvolvido na ilha nestes últimos quatro anos em duo, trio e quarteto mais ligados ao jazz e à bossa têm sido uma boa forma de explorar a performance ao vivo e alargar o repertório, mas a nível criativo são menos ricos porque tocamos os standards com arranjos simples e de forma mais imediata. O BRUMA Project é mesmo o “meu bebé” e o projecto a que pretendo dedicar-me a sério e em quase exclusividade no futuro próximo. Embora a música que tocamos não seja original, tornámos cada canção numa unidade tão criativa, tão exploratória e tão pessoal que há muito de nosso na música. Assim, artisticamente torna-se num projecto muito interessante, muito rico e muito mutável a cada vez que formos fazer um concerto, e esse é de resto o background que os músicos envolvidos levam para o grupo. O facto de estarmos separados geograficamente e só nos juntarmos para os concertos será também um factor de desafio gerador de adrenalina, porque faz com que tenhamos muito menos tempo para preparar a música em grupo e tudo tenha de ser muito mais rápido e orgânico.

 

O disco de apresentação do BRUMA Project vai ser lançado em 2018. Qual espera que seja o impacto deste novo projeto no seu percurso musical?

Sim, após a gravação do disco em 2016 houve um período de interregno grande até este ano, tempo em que estive a estudar a melhor hipótese de lançar o disco e como viabilizar todo o processo seguinte, por isso estamos todos muito ansiosos pelo fim do ano para podermos finalmente mostrar o trabalho que fizemos. No início de Novembro faremos uma mini tour açoriana de apresentação do disco que começará com o lançamento em Angra do Heroísmo e passará por outras quatro ilhas do arquipélago. Estamos neste momento a fechar datas e a preparar essas duas semanas de tour e toda a logística envolvente – muito brevemente poderão saber as datas e os locais dos concertos através do nosso Facebook BRUMA Project. Depois disso, em 2019 planeamos levar o projecto a outras salas do continente, nomeadamente Porto, Coimbra e Lisboa (por serem cidades natal e de residência de alguns de nós) e expandir internacionalmente, pois cremos que este projecto gerará muito interesse, nomeadamente nos circuitos da world music. A nível pessoal, tenho muitas e boas expectativas para os BRUMA e sei que será um projecto que me trará certamente novas experiências, me levará a novos palcos e me fará crescer como cantora no meio daqueles músicos maravilhosos. É o projecto mais significativo que liderei até hoje, e tudo farei para levá-lo o mais longe possível, ainda mais porque isso significará estar a levar também os Açores e a riqueza insular a novas paragens e novos públicos. Não sou filha das ilhas por direito, mas sou apaixonada por elas e quero ser um veículo para lhes dar voz por onde quer que passe no mundo. Esse é o meu grande objectivo e, concretizando-se, será a minha grande felicidade.

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