Como? Quem? O Bob Dylan? Não me digas!
Quando Bob Dylan ganhou um Óscar, em 2001, pela canção “Things Have Changed”, escrita para o filme “Wonder Boys”, do ano anterior, todos nós, fãs deste magistral artesão de canções inesquecíveis, rejubilámos. Até parecia que cada um de nós, os FOB (título nobiliárquico que um tarado da net atribui a quem lhe arranje material de e acerca de Dylan e que significa Friend of Bob) tínhamos recebido um bocadinho do prémio. Prémios é coisa que ele tem recebido com abundância, mas muitos deles passam despercebidos aos ‘não-FOB’, o que não acontece com a popularidade internacional de um Óscar. Muita gente por esse mundo fora não dorme para assistir ao repetido ritual que, de ano para ano, assume cada vez mais uma faceta de feira de vaidades que propriamente a de um prémio que distinga algo de verdadeiramente notável, único. Dylan entra assim para uma aristocracia muito especial e mesmo os gajos como eu, avessos aos Óscares, não podiam deixar de o louvar. Para mais a canção era notável e o filme não ficava atrás. E, pelo menos aparentemente, a justiça da atribuição não foi contestada.
Outro tanto não aconteceu há algumas semanas quando de repente acordámos e ouvimos nas notícias: esse teu amigo recebeu o Nobel. Como? Quem? O Dylan? Não me digas! Toca a telefonar aos outros amigos, amigos do mesmo Dylan. ‘Tás a gozar? Não, não, é a sério!!! E o mesmo espanto por todo o lado. Merece, não merece… Mais ainda que em outras alturas, as hostes dividem-se profundamente. É o maior prémio literário atribuído desde há muito. Credível? Se calhar, às vezes parece acertar e de outras ficamos de cara à banda, é verdade. Tem motivações que ultrapassam a natureza do próprio assunto? É sabido, acho que isso não deixa dúvidas a ninguém. Premeia os melhores? Isso já é mais difícil de acreditar. Nem Tolstoi nem Kafka o ganharam, aliás como muitos outros. E os poetas que o levaram para casa contam-se pelos dedos de uma mão. Para premiar os melhores seria mais justo criar um prémio coletivo que ainda não existe.
A agravar o assunto aparece a velha clivagem entre o escritor de canções e o poeta “genuíno”, seja lá o que isso for. Vamos lá dar alguns exemplos e depois cada um pense o que quiser. Ouçam “A Hard Rain’s a-Gonna Fall”, cântico desesperado de um fim do mundo atómico, ou aquelas belíssimas canções de amor dedicadas a mulheres importantes na sua vida: “Visions of Johanna” (para Joan Baez), “Just like a Woman” (para Edie Sedgwick, vedeta da Factory de Andy Warhol), “Boots of Spanish Leather” (para Suze Rotolo), ou “Sad-Eyed Lady of the Lowlands” (para Sara Lownds). E os libelos que são “Masters of War”, “With God on Our Side”, “Ballad of a Thin Man” ou “Like a Rolling Stone”? E tantas outras, referindo apenas os anos 60, como “North Country Blues”, “Mr. Tambourine Man”, “Desolation Row”, “Just Like Tom Thumb’s Blues”? Se isto não é poesia então o que é? Dylan não é o melhor? E algum dos outros consagrados o era? Deixem lá o homem ficar com o prémio, que não o desprestigia. Trata-se apenas de uma outra vertente da escrita!
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