“É necessária uma política cultural que vise estabilizar a condição dos artistas”
João Nuno Bernardo, pianista micaelense que acompanha artistas nacionais como Tiago Bettencourt, Cláudia Pascoal e Tainá, previa um ano de 2020 em cheio com a promoção do seu álbum de estreia “Grey City”, já editado, com o lançamento de “Space”, o primeiro álbum da banda F.E.R.A., e com um verão cheio de concertos. Mas uma pandemia trocou-lhe as voltas. Agora lamenta que seja “impossível prever” quando voltará a subir a um palco.
O ano não podia ter começado melhor para ti, com o lançamento de “Grey City”, o teu primeiro álbum. Como é que estava a correr a promoção até o mundo parar por causa da pandemia?
O ano começou muito bem com o lançamento de “Grey City” em parceria com o guitarrista Augusto Baschera. Fizemos um concerto de apresentação do disco no Hot Clube de Portugal, em Janeiro, e tivemos a oportunidade de promover o nosso trabalho através de jornais, rádio e televisão. Durante todo o mês de Fevereiro fizemos contactos com várias salas de espetáculo e festivais por todo o país e estivemos muito perto de fechar algumas propostas. Nos primeiros dias de Março chegou-nos um convite para ir tocar a Espanha já em Abril mas essa possibilidade desapareceu rapidamente com o agravamento da situação no nosso país vizinho.
Entretanto, já se conhecem os primeiros dois singles de “Space”, álbum de estreia dos F.E.R.A. O que é que nos podes adiantar deste novo projeto e do próprio álbum?
O projeto f.e.r.a é um quarteto instrumental do qual fazem parte Ricardo Marques (baixo), Feodor Bivol (guitarra) e o micaelense João Freitas (bateria). Este ano já tivemos a felicidade de lançar dois singles com o rapper Synik e a cantora Catarina Ortins como convidados. A música surge no seguimento da nossa admiração pela Fusão, R&B, Hip-hop e também por influência da nossa formação académica em jazz.
O lançamento do álbum “Space” sofreu algumas alterações pela impossibilidade de se realizar um concerto para o efeito. Prevemos que o disco esteja disponível nas plataformas digitais no início de Julho.
O sector cultural está praticamente paralisado. O que é que ficou suspenso ou adiado na tua vida profissional?
Todos os meus concertos e promoções in loco foram cancelados até Junho mas com o prolongamento da incerteza sobre quando será seguro retomar esses eventos é impossível prever quando voltarei a subir um palco. Também a minha presença como pianista acompanhador na Escola Superior de Dança está suspensa até serem autorizadas aulas presenciais de atividade física. As aulas de piano mantêm-se mas agora em regime de ensino à distância.
Já se fala num regresso à normalidade possível, mas, com os concertos de verão a ser todos cancelados, essa normalidade, para os músicos, parece estar ainda muito longe de chegar. Como é que se pode contrariar esta situação para garantir a subsistência dos músicos e de todas as profissões que integram o mundo do espetáculo?
Parece-me importante refletir sobre um conjunto de adaptações que podem e devem viabilizar um regresso seguro e gradual às salas de espetáculos e a todas as infra-estruturas que acolhem as mais variadas formas de arte. Esse processo promete demorar algum tempo, o que significa que a próxima época alta está em risco. O grande problema é que muitos dos trabalhadores envolvidos na produção de espetáculos recebem, em três meses de Verão, a maior parte do seu rendimento anual, portanto a acumulação de pressão é diária.
Não há forma de garantir a subsistência daqueles que não têm rendimento porque não podem exercer a sua profissão. Felizmente foram disponibilizados alguns apoios mas o montante atribuído a cada indivíduo não é, de todo, próximo do rendimento esperado pré covid19. É, sobretudo, necessária a construção de uma política cultural organizada que vise estabilizar a condição dos artistas e de todos os que dependem da arte e da cultura.
Este período de confinamento tem sido particularmente inspirador, em termos de composição, ou tem servido mais para praticar?
O confinamento não me é estranho porque o meu trabalho desenvolve-se, essencialmente, à frente do instrumento ou do computador. Este período tem servido para retomar algumas rotinas de estudo, realizar experiências electro-acústicas para o meu próximo projeto e, acima de tudo, continuar a procurar exprimir, da melhor forma, a minha individualidade artística.
Em que outros projetos ou bandas estás envolvido neste momento?
Faço parte da banda do Tiago Bettencourt, da Cláudia Pascoal e da Tainá. Estive, recentemente, envolvido na gravação dos novos discos dos primeiros dois, o que me trouxe uma grande alegria. Também sou requisitado para substituições em bandas de outros artistas com quem não tenho vínculo. Essas situações pontuais são sempre muito enriquecedoras porque me permitem adquirir conhecimento e experiência nos mais variados contextos musicais.
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Foto: Cláudio Alves/Clara Mota
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