Filho da Mãe atua hoje no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas dos Açores, na Ribeira Grande
Rui Carvalho estava à espera de encontrar na ilha da Madeira uma “primavera interminável”, mas o tempo, por vezes, também é um ‘filho da mãe’, e a chuva enviada por uma tempestade, chamada Emma, bateu nas janelas com força suficiente para fazer companhia à guitarra em “Água-má”.
Acabas de editar um novo disco. Como é que defines este “Água-Má” em comparação com os teus anteriores álbuns?
É difícil definir. Eles são muito diferentes. Foi gravado num sítio diferente, o que para mim tem alguma implicação. Gravo sempre em ambiente de residência, e cada sítio tem a sua particularidade que acaba por entrar no disco. Este disco parece-me mais à pele. Talvez uma coisa mais direta. Com menos recurso a efeitos e pedais. Com músicas que são menos difíceis de definir do ponto de vista geográfico. E acho que tem um ambiente geralmente diferente. Mas é difícil pôr em palavras exatamente quais são as diferenças. Não deixa de ser um tipo a tocar guitarra. Continua a ter isso.
O disco foi gravado entre Lisboa e Madeira. Houve composição durante este processo? Ou quando chegas ao estúdio já tens tudo definido?
No último disco – “Mergulho” – tinha tudo por definir. Não tinha nada. E foi naquela semana de gravação que surgiu tudo. Neste caso, já tinha grande parte do material, mas não tinha propriamente a história. Tinha as músicas, mas não tinha o disco. Levei algum tempo até perceber qual era a forma final do disco. Isso surge na Madeira, já com os microfones à frente.
O facto de estares numa ilha – nestes caso a Madeira – teve influência no resultado final?
Muita. As músicas tinham uma inclinação, quando as preparei em Lisboa, e quando cheguei à Madeira tiveram outra. Uma das coisas que teve influência foi o facto de estar a acontecer uma tempestade, chamada Emma. Nunca tinha apanhado esta fase na Madeira, meio tropical, normalmente era uma espécie de verão, ou primavera interminável. A atmosfera carregada acabou por entrar pelo disco adentro. Aliás, ouve-se a chuva a bater nas janelas, na casa onde gravamos, e a certa altura parece que o mar toma conta do disco. Era uma coisa que aqui em Lisboa não ia acontecer, e o caminho teria sido outro.
‘Água-má’ é aquilo a que por aqui chamamos ‘água-viva’. Também daria um bom título de disco.
Daria, porque também significa ‘alforreca’, mas a parte do “má”, a mim, interessa-me, já que ‘filho da mãe’ também tem uma conotação negativa – que não existe – o ‘água-má’ pareceu-me mais interessante. Até porque a alforreca tem um lado chato, que é o das picadas. Mas o disco tem muito a ver com ‘ir com a corrente’, que é o que faz uma alforreca, basicamente. O nome “Água-má” pareceu-me sugestivo e também me fazia lembrar um bocadinho a poncha, que tem alguns efeitos maus, na verdade.
Quando estamos a falar de música instrumental, os títulos assumem um papel diferente. Que importância dás aos títulos das tuas músicas?
É uma das partes de que gosto mais. Eu admito que às vezes não me surgem no início, só me surgem no fim, outros estão definidos logo de início. Eu não tenho letras, e é uma maneira de eu poder dar uma indicação geral sobre o disco. Às vezes os títulos são dados também com alguma displicência, e não há assim grande leitura a fazer. Alguns são um bocado surreais e não têm a ver com nada. Há um certo ‘non-sense’ que me agrada. Escolher os títulos às vezes é uma coisa muito intuituva, outras vezes demora meses. Mas é importante, embora não haja uma grande leitura a retirar da maior parte deles. Eu gosto de escrever, mas nos meus discos o que me interessa é a música. Os títulos dão pequenas indicações da côr que o disco tem por dentro.
Em relação ao processo composição. O trabalho é feito sempre à guitarra ou há um trabalho prévio?
Pego na guitarra e as músicas vão tomando forma. Às vezes a música altera-se profundamente, outras vezes eu gostava que se alterasse, mas fica sempre igual até ao momento da gravação. É um processo muito intuitivo, e sempre com a guitarra nas mãos.
Já estiveste nos Açores anteriormente. Que memórias guardas das viagens e dos concertos?
Só toquei em São Miguel, nunca toquei noutra ilha. Estive no Tremor, mais do que uma vez, e antes disso estive num concerto organizado pelo Kitas. A primeira vez que tive oportunidade de tocar neste ambiente foi fabuloso. Fico sempre feliz por voltar. Guardo muito os cheiros, a vista do mar espantosa, a comida… guardo tudo junto. Tenho uma memória forte disso.
Em relação aos concertos, o que é que quem nunca assistiu a um concerto do Filho da Mãe pode esperar dos concertos?
Eu não sei o que é que as pessoas podem esperar, porque eu não sou uma pessoa de planear muito as coisas. Eu próprio não sei o que esperar. Tenho este disco em mente. Vou tocar este disco, que tem um ambiente muito diferente dos anteriores, mas sou capaz de misturar aqui mais algumas coisas. Também há muito espaço para improviso nos concertos.
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Foto: © Vera Marmelo
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