Diz-se ser ‘selvagem’ “aquilo que nasce e se desenvolve sem ser semeado ou cultivado e sem cuidados especiais” (dicionário online Priberam). Mariano Marovatto prefere outra definição: “Tudo aquilo que foge das mãos da civilização, do progresso, que não se comporta na história normatizada”.

É nesta definição que se encontra o conceito do mais recente álbum deste jovem brasileiro – agora a residir em Lisboa – que junta oito cantigas (quase) perdidas no tempo, orfãs de autor, filhas da tradição oral, passada de geração em geração sabe-se lá durante quantas décadas.

“A ‘selvageria’ escapa aos moldes, aos controles, e se espalha pelo vento como bem fazem as línguas quando cantadas pelos homens”, lê-se também no site de Mariano Marovatto. Já não foi pela via oral, nem pela ação do vento que estas canções do folclore brasileiro e português chegaram ao conhecimento de Mariano Marovatto.

A escolha foi feita depois de uma extensa pesquisa, etnológica e pessoal, de Mariano pelas recolhas feitas por Michel Giacometti, Fernando Lopes-Graça, Tiago de Oliveira Pinto e Max Peter Baumann, em Portugal, e pela Missão de Pesquisas Folclóricas, de 1938, capitaneadas por Mário de Andrade, então secretário de cultura do governo de São Paulo, pelo nordeste brasileiro.

Com a simplicidade que o repertório exige – mas sem rejeitar algum atrevimento na interpretação – “Selvagem” vive da guitarra acústica, da voz, e da palavra, por vezes quase numa espécie de lenga-lenga.

Mariano Marovatto é – pelo menos por enquanto – praticamente desconhecido em Portugal, mas tem vindo a destacar-se no Brasil, não só na música, mas também na literatura – área em que tem formação superior. “Aquele Amor Nem Me Fale”, de 2010, e “Praia”, de 2013, são dois álbuns que vale mesmo a pena ouvir.

Em “Selvagem”, Marovatto conta com a colaboração de Pedro Sá, guitarrista que colabora de forma assídua com Caetano Veloso, e Ami Yamasaki, artista japonesa que se dedica a explorar as potencialidades do seu aparelho vocal com resultados pouco convencionais.

Editado em julho do ano passado no Brasil, “Selvagem” chega a Portugal em formato físico em fevereiro. Mas se ficou com curiosidade, não precisa de esperar. O álbum está disponível, na íntegra, na internet.

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Caudalosa produção na internet

Caixa: Para acomodar toda a sua “caudalosa produção” – como refere o texto de apresentação do artista – Mariano criou o espaço www.marovatto.org. Nele encontra-se tudo e mais alguma coisa sobre as obras – musicais e literárias – a vida e os pensamentos de Mariano Marovatto. O site dedica muita atenção a este novo trabalho, apresentando uma série de ‘posts’ com apontamentos e curiosidades sobre o conceito e o processo de construção do álbum. Um dos textos mais interessantes dedica um comentário do intérprete a cada uma das faixas do álbum, que acabam por ser fundamentais para perceber a origem e o significado de cada canção.

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Foto: Anastasia Lukovnikova