José Carlos Ary dos Santos: o poeta de canções
No Meia de Rock fala-se de música. Seja de que estilo for. De guitarristas virtuosos, de vocalistas glamorosos, de êxitos e dissabores. Música. Mas, e os restantes 50% da equação? Falo da letra, do poema, da mensagem. Quantas e quantas vezes uma canção nos é querida e especial por causa da magia das palavras de alguém?
Com isso, gostaria de lembrar José Carlos Pereira Ary dos Santos, um grande ‘poeta de canções’, que arrisco a apontar como muito à frente do seu tempo. Mesmo hoje em dia teríamos de correr atrás dele.
Como escrever sobre o homem que devia ensinar Portugal todo a escrever? Nascido da alta burguesia e homem de excessos, Ary dos Santos era um autêntico “Cavalo à Solta” no panorama literário, poético, revolucionário e musical neste nosso país. Crítico social de uma acidez tão dissimulada, e no entanto tão óbvia, como se comprova na “Tourada” ou em “Cai Cai”. Aliás, este último tema é um exemplo da simplicidade genial que Ary dos Santos imprimia nos seus poemas. Que outra pessoa teria a ousadia de começar um poema com dois versos exclusivamente dedicados a enunciar um nome próprio: “Dona Amélia Gerivaldo Antunes Castro Girão”? Que, refira-se, “do alto de um salto alto caiu redonda no chão”.
Já na sua altura, Ary dos Santos professava que “Gente a cair é o que há mais”. Não vos parece extremamente atual?
A sua capacidade de observação e descrição do meio envolvente é fenomenal: “Chegam os meninos de mota, com a china na bota e o papá na algibeira (…) que apodrece no tempo e não cheira”. Tudo isso no cenário criado n’ “O Café”.
Ary dos Santos, que “até gostava do rock”, “só não queria que lhe lixassem a vida”, foi pessoa de “nunca andar a reboque”.
Com o seu talento, Ary desfaz os complexos enredos de uma “novela” e através de um poema coloca Portugal inteiro em frente à “Telé-Telé”, para revelar que no final “talvez a Júlia vá casar com o irmão dela”.
Realço a relação profícua com Fernando Tordo. De todos aqueles que deram voz aos poemas de Ary dos Santos, Tordo foi, na minha opinião, aquele que melhor conseguiu musicar e interpretar as suas palavras.
Muito mais haveria para dizer… Evitei falar dos temas mais populares, porque esses já têm mediatismo suficiente, procurei enunciar temas menos conhecidos, mas de igual ou maior qualidade.
José Carlos Pereira Ary dos Santos foi um poeta de excessos, com um excessivo talento. Ouvir, ou ler, Ary dos Santos dá-nos sempre “tempo para nascer, para viver, para existir”.
Vozes femininas em homenagem a Ary dos Santos
Editado em 2009, “A Rua da Saudade” é um disco de homenagem a Ary dos Santos. Pelas vozes de Mafalda Arnauth, Viviane, Susana Félix e Luanda Cozetti chegam até nós alguns dos poemas menos mediáticos de Ary dos Santos, revestidos com uma sonoridade atual. Temas como “Cai Cai”, “Rock Choc”, “O Café”, ou as mais conhecidas “Estrela da Tarde” e “ Cavalo à solta” encontram-se perfeitamente representados. Um total de onze temas num belo disco de música e poesia!
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