Medeiros/Lucas por entre ofícios no Tremor na Estufa
Foi por entre os ofícios de outros tempos que os Homens do Mar se sentaram. No largo, em frente ao sapateiro e de costas voltadas para o latoeiro, soou o primeiro verso da “Canção do Mar Aberto” naquela profunda e inconfundível voz de Carlos Medeiros, pautado pela simplicidade dos acordes da solitária guitarra de Pedro Lucas. Longe, por entre um longo corredor de objectos que contam o antigamente na primeira pessoa, jaz São Paulo, um bote de boca aberta que nunca imaginara voltar a sentir o sabor do sal.
Medeiros/Lucas trazem os Açores na alma. O sal que teima em não lhes sair da pele sente-se em “Mar Aberto”, com aquele “Navio” que tal como o São Paulo não mais regressa ao Mar, com o inevitável “Fado do Regresso” de quem parte, com o “Remar” em direcção à terra de Carlos Medeiros. Talvez por isso, por sermos todos ilhéus, a dupla que une o ontem e hoje da música açoriana consegue-nos ser tão tocante. Mas isso já sabíamos.
Ao Tremor Medeiros/Lucas trouxeram algo mais, algo de completamente novo. “Terra do Corpo” é o novo álbum e conta com uma abordagem completamente diferente. Esqueçam os cancioneiros regionais e as canções de marujo – agora as letras, escritas por João Pedro Porto, são completamente novas. Eles continuam a ser os mesmos, com uma capacidade de quase hipnotizar quem os vê, mas agora numa vertente mais interventiva, num típico “disco de Abril”. O primeiro single do álbum – “Sede” – saiu também ontem e já promete aquilo a que a dupla açoriana nos habituou – um disco obrigatório.
O largo da Oficina-Museu nas Capelas tornou-se pequeno para todos os aventureiros que ousaram entrar naquele autocarro sem destino e sem espectáculo anunciado, mas que certamente não se terão arrependido. No final, e porque o Tremor não é só música, tempo para um passeio pelo quotidiano do ontem, por entre jornais dos anos 20, baterias Tudor, enlatados e balanças de pratos, salas de aula com mapas onde Timor é Portugal.
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Fotos: Tremor / Carlos Brum Melo
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