Não é por acaso que o “spirrit” da Maré tem nome próprio


O espírito com nome próprio – o “spirrit” – da Maré de Agosto é algo que não se explica – acima de tudo sente-se – mas há de ter qualquer coisa a ver com o conjunto de factores que tornam este festival tão único. Na Maré há tudo o que não há cá fora, na vida quotidiana: praia paradisíaca, boa música sem parar e futuros amigos por toda a parte, enquadrados por uma das mais belas baías da ilha de Santa Maria. Na Maré só é certa a ida, tudo o resto fica na responsabilidade da organização. Quando um dos mais garotos dizia por lá pelo parque de campismo – “Esta maré devia ter um cartaz com melhores nomes” -, havia sempre uma voz sábia a dar a missa campal -“Na Maré o cartaz é o menos importante, só tens que ir, disfrutar e aproveitar para conhecer música a sério”.  Um festival é feito de espírito, mas será que só o espírito faz o festival? Talvez não, mas ajuda muito. Vamos a música.

A abertura da Maré de Agosto ia fugindo da forte chuva que se abateu na Praia Formosa. Quando S. Pedro decidiu dar uma trégua entraram em acção as congas, o saxofone e trompete, o órgão catita e as danças sincronizadas de Pat Thomas & Kwashibu Area Band – aquele concerto bem o jeito da Maré de Agosto com muita gente em palco, muito boa música e um público que não consegue parar de dançar. Mas a chuva voltou para receber Maria Gadú e o público da Maré não arredou pé – no final daquele concerto sublime só dava Gadú e seus artistas aos pulos em palco, ainda estupefactos com a magia de que tinham feito parte.

Na segunda noite já era a Lua Cheia a mandar nos céus de Santa Maria. King John abria com o seu blues de alma, com guitarradas à antiga, pêlo na venta e uma presença de fazer inveja a qualquer veterano de grandes palcos. Passávamos para ver Nita – a enérgica vocalista dos Fuel Fandango – a dançar em cima do palco, acompanhada por um lindíssimo leque e pela fusão de rock, flamenco e música electrónica, que fez também dançar toda a plateia. A noite acabava com os The Deaf e um “Are you ready to go crazy?”. O Palco Maré foi abaixo com aquele punk rock de fazer saltar toda a gente.

Quem já viu a Maré a fechar com os inesquecíveis Gentleman, Marcelo D2 ou Dub Inc. facilmente perceberá que, para além de ser uma honra, o fecho da Maré de Agosto é uma responsabilidade. A honra coube a O Rappa, mas por entre aquela fantástica mistura de rock, rap e reggae executada na perfeição havia uma falta de ligação, de sentimento e de emoção – faltava o brilho do fecho da Maré. Ao início da noite o brilho foi todo de Carminho, numa actuação extraordinária com o fado que já não é só o triste fado, onde há espaço para a pura diversão e até para a participação de um “grande amigo que veio de propósito de Portugal Continental” – Tiago Bettencourt. No final caía o microfone e cantava-se à capela no Palco Maré – uma sensação única assolou toda a plateia, num arrepio sincronizado que varria toda a alma que fosse afortunada o suficiente para ali estar. O fado deu uma lição ao reggae.

No Espaço Castelo a música foi outra. A ruína que havia sido abandonada do alinhamento do festival voltaria com a melhor reabertura possível na presença JP Simões. O Músico trazia, juntamente com a estreia absoluta de “Temble Like Flower, o seu humor mordaz e simpatia, num concerto que deitou o público do castelo ao chão – literalmente. O registo calmo do concerto destinado àqueles que não apreciam especialmente os DJs tornou-se calmo de mais e assombrou o regresso no dia seguinte. No sábado a hora de Sargento Zundapp no Castelo tardava a chegar, e o extraordinário mas relaxante concerto de Marco Santos fazia mossa. Uma hora e meia de espera acabou por dar prioridade à tenda, para não mais voltar.

A Maré chegou ao fim. Mais um ano se passou e o que mais importa pouco mudou – mar, sol, música e amizade. Agora é tempo de arrumar a casa, rever as opções e preparar os melhores três dias de 2017 com muito amor.

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Foto: Fotopepe // Derrick Sousa

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