Neil Young a dois passos da perfeição com “Harvest”


Santa Eufémia era um lugar perfeito, em Sintra, para se estar à vontade, acampar com os amigos e ser, por momentos, uma espécie de eremita a brincar. Ainda pensava nessa altura que era um misto de Allen Ginsberg e Jack Kerouac e andar à boleia no Alentejo ou ir para locais mais recônditos da Serra de Sintra eram um dever. A vista soberba alcançava o sublime durante a noite quando, olhando para leste, se viam as luzes desde o sopé da serra até Lisboa lá ao fundo. E ainda apareciam umas manchas negras que calculo já terem sido engolidas pela voracidade da construção. Mas o melhor ainda era dentro da tenda, com umas canecas de chá fumegante, o SG Filtro ou o Português Suave sempre activos entre o indicador e o dedo médio e, sobretudo, o ouvido tragando as delícias que o gravador nos transmitia. Lembro-me de ter comprado o “Harvest” (1972) de Neil Young e gravá-lo para o ouvirmos lá na serra. E que prazer, logo que soam os primeiros acordes de “Out on the Weekend”, a condizer. Beatificados perante aquele som, repetíamo-lo de sexta a domingo sem descanso. Que disco poderia estar ali, não fosse Neil Young ter duas habilidades antagónicas: conseguir estragar o que estava a fazer tão bem.

Apeteceu-me gritar-lhe lá do alto de Santa Eufémia: Sr. Young, num disco onde estão canções como “Out on the Weekend”, “Harvest”, “Heart of Gold”, “Old Man”, “Alabama” ou “The Needle and the Damage Done”, não se põem – Sr. Young, abra bem os ouvidos – não se põem canções tão mazinhas como “A Man Needs a Maid” ou “There’s a World”, e ainda por cima tocadas pomposamente pela London Symphony Orchestra! Que bizarria, esta de desperdiçar um álbum que podia ter entrado na história como um daqueles raros discos que mesmo os Deuses não desdenham!

Um ponto forte de Harvest são os seus colaboradores. Young fez-se acompanhar por um grupo que baptizou como The Stray Gators (cujo cabecilha é o célebre Jack Nitzsche, compositor, produtor, músico, com um Óscar na algibeira pela canção “Up Where We Belong”, cantada por Joe Cocker e Jennifer Warnes), grupo que virá ainda a colaborar em “Time Fades Away” (1973). O bonito banjo que ouvimos em “Old Man” é tocado por James Taylor, outra lenda da música americana. Linda Ronstadt e os companheiros David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash, com quem gravou o mítico “Déjá Vu” (1970) e o mais fraquinho “4 Way Street”, ao vivo (1971), ajudam nos coros.

O desequilíbrio foi sempre a mais forte característica de Neil Young, capaz do melhor e do pior, mas fazê-lo num só disco que prometia chegar ao Olimpo foi uma pena. É verdade que, numa escala de cinco pontos podemos dar, sem favor, um quatro. O problema é que esteve a uns passos do cinco e uma ou duas patetices de palmatória ferem o trabalho. Contudo, mesmo com aquelas duas pequenas farpas, nunca mais Neil Young conseguirá vender tantos discos… Tal como Hitchcock conta numa entrevista acerca de um realizador que recebeu más críticas (não é este o caso) por um filme de sucesso, Neil Young e a Reprise arrecadaram uma maquia generosa e, palavras, levou-as o vento!

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Foto: Per Ole Hagen

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