Para ouvir com bom gosto e “Gent’ilesa”
Quis o destino que o meu caminho musical se cruzasse com o de Teresa Gentil. Foi assim que acabei por escutar o álbum “Gent’ilesa” ( 2008). Confesso que não estava à espera do que ouvi. Quer dizer, não sei bem o que esperava, mas não era certamente algo do género Carla Bley com toque latino e pitadas de Zappa, e carradas de intervenção social e … Uau, fiquei siderado!
O álbum até começa num registo ‘low profile’. “Gigantes” já traz consigo a textura latina que vai perdurar ao longo do álbum, mas é só o aperitivo.
As coisas começam a entrar noutro terreno logo a seguir com o “Samba da Surra”, uma excelente sátira e crítica à violência doméstica, com referências – também elas excelentes na sua adaptação – a “O mar enrola na areia” e “Sebastião come tudo” (o violino aqui ‘parte tudo’). A maneira como a música se desenvolve faz-me lembrar Frank Zappa.
Nesta refeição completa, o’ main course’ é “George”, tema vencedor do prémio Zeca Afonso (cantar Abril, Almada, 2007). Ousado, arrojado e extremamente bem executado. “George era um rapaz baixo / muito mais baixo que o habitual/ altamente estipulado / para um governador geral / de uma nação saudável/ cheia de história cultural …” e ainda vamos no terceiro tema do álbum.
O estilo Club Jazz de “Grau Zero” a servir de pano de fundo a mais um dos magníficos textos de Teresa, ou o flamencado “Un País” pontilhado de bandolim a fazer lembrar o melhor dos cantautores portugueses, são os temas seguintes. Faz lembrar um banquete em que a comida não pára de vir. Quando julgamos que já comemos tudo o que queríamos, há mais. Muito mais.
A nossa grande Natália Correia volta a ganhar voz em “Gent’ilesa”, assim como Eugénio de Andrade. Talvez por isso a segunda metade do disco seja mais pausada, mas nem por isso menos ritmada, e sempre, mas sempre, completamente ajustada aos dizeres dos referidos poetas. Saliento o “Projeto de Bodas”. O poema de Natália Correia casa bem com o ritmo latino da bossa. A visão artística de Teresa faz o resto, doseando o que deve ser cantado e o que deve ser declamado.
“Gent’ilesa” está muito bem executado, não há sombra de dúvida, mas o seu maior valor recai mesmo na composição, na sua idealização. É para se ouvir com gentileza e bom gosto.
Um percurso marcado pelos Açores
Teresa Gentil é licenciada em Composição pela Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo. Tem composto para teatro e cinema e mais recentemente foi responsável pelos arranjos para o espetáculo “Sharing da Music” especial autores Açorianos, organizado pela Vox Cordis, e que contou com Manuel Rebelo e Beatriz Nunes (Madredeus), além da participação de alguns cantautores açorianos como Zeca Medeiros e Aníbal Raposo. O primeiro álbum de Teresa Gentil foi “Natália Descalça”, que data de 2006. É uma coletânea de poemas de Natália Correia musicados por Teresa Gentil.
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