Samuel Úria faz “Carga de Ombro” para ficar entre os grandes


Emergido do movimento ‘underground’ criado pela editora independente “Flor Caveira”, Samuel Úria sempre relevou ter aquilo que seria necessário para vir a estar entre os grandes. “Carga de Ombro” traz tudo isso à tona: um tratamento de luxo à língua portuguesa, que, com humor e inteligência, cria alçapões onde se escondem significados menos óbvios, arranjos frescos com texturas características de outras décadas, e uma facilidade para melodias cativantes.

“Carga de Ombro” não é linear, não é previsível. Na verdade, quase podia ser uma espécie de ‘best of’, a vaguear pelas várias fases da longa carreira de um artista. Mas não, é apenas o terceiro álbum de um artista que não quer ser ‘enfiado’ numa categoria, como se de uma caixa de tratasse. Ele quer mesmo estar, como agora se diz, ‘fora da caixa’, e poder saltar da intimidade de “Cabo do Medo”, um sussurro embalado pela simplicidade da guitarra acústica, à festa de “É Preciso que Eu Diminua”, que, ironicamente, cresce até um clímax de cores e ritmos tropicais.

Embora o equilíbrio da qualidade dos temas dificulte a tarefa de escolher destaques, é impossível não mencionar o soberbo arranque do álbum. “Dou-me Corda” recria a música espiritual negra, que cantavam os escravos, ao ritmo do trabalho. O bater lento e melancólico de um martelo em ferro, um coro gospel, e a imagem de correntes e grilhões que se arrastam, a que se vão subtilmente juntando outros elementos, farão desta uma das canções do ano.

Natural de Tondela – cujo clube conseguiu a manutenção na Primeira Liga, e fervoroso adepto do Benfica, que se sagrou tricampeão nacional, Samuel Úria tem em “Carga de Ombro” mais um excelente motivo para não esquecer o ano de 2016. O ano em que também ele carimbou definitivamente a sua subida ao escalão principal da música nacional.

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