Tremor arranca com epicentro em Rabo de Peixe
A caminho passámos pelo bairro. Uma selva de betão de cores berrantes esconde a verdadeira exclusão. Um mundo de classes sociais imiscíveis, de tradições vincadas e particularidades imensas, onde o isolamento significa tudo menos falta de talento. Encontrámos o caminho para o Armazém do Armador, junto ao Porto de Pescas de Rabo de Peixe, rodeado de edifícios devolutos, fustigados pela renúncia do esquecimento.
Apresenta-se o Tremor e o contraste é berrante. O isolamento e a exclusão somem e dão lugar à inclusão, à partilha. Por entre espectadores assíduos do tremor – que, tal como nós, nunca teriam poisado pé naquele pedaço de terra virado ao mar – correm crianças divertidas e irrequietas, montadas em bicicletas, patins e outros veículos apropriados à idade. Os locais aderem em peso e também vêm ver o tiro de partida do Tremor com a Escola de Música de Rabo de Peixe e a exibição do documentário AZ-RAP: Filhos do Vento, que expõe o submundo do rap açoriano.
Sob gigantes do mar em terra firme, tombados e com os cascos expostos, ouviu-se o maior êxito rap da região. “Eu não vou chorar, essa vida não era para mim” foi ouvido na voz de crianças da terra, acompanhadas pelos seus jovens colegas nos mais variados instrumentos, numa versão mais chegada às sonoridades do jazz e até com uns toques de reggae. Pelas mesmas vozes também se ouviu o “O menino do bairro negro”, mas a mais sábia frase não foi cantada, foi dita -“Através da cultura se faz uma sociedade, se faz um povo”. Alexandre Gaudêncio, autarca da Câmara Municipal da Ribeira Grande, não poderia estar mais certo.
© Carlos Cabral de Melo | Tremor
Arquipélago recebe primeira noite de Tremor com Gala Drop e Volúpia das Cinzas
Entre pilares e arcadas de pedra, bem no coração das caves da antiga fábrica de tabaco e álcool, estavam três sujeitos de música na alma. Gabriel Ferrandini, Hernâni Faustino e Pedro Sousa destilavam jazz de improviso, caótico, impactante. No meio do caos, entre batidas espásmicas, dedilhados febris e sopros desassossegados, a beleza encontra o caminho e nasce das cinzas da destruição – é a verdadeira Volúpia das Cinzas.
© Carlos Brum Melo | Tremor
Sem medo de efeitos cósmicos, os Gala Drop invadiram a Blackbox do Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas para prender quem por lá passasse. Onde cabiam guitarras e baixos de efeitos fantásticos e sons sintetizados vindos de outro mundo, cabiam também uma bateria, umas congas e até uns chocalhos. O resultado é um som cheio de vida, de influências mil, e com o poder de mover montanhas. Aqui, os deliciosos pormenores coexistem com um pé de dança e fica uma certeza – ainda agora começou, mas os Gala Drop já deram um dos concertos do Tremor.
© Carlos Brum Melo | Tremor
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Foto de destaque: © Carlos Cabral de Melo | Tremor
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