Tremor inesquecível leva os Açores ao Mundo


Há quem diga que o Tremor é maior que a ilha, quem diga até que o Tremor é um dos festivais mais atrativos do mundo neste momento. Mesmo que quiséssemos, a pequenez da nossa existência não nos permitiria ir tão longe, mas afirmamos – orgulhosos – que enquanto o mundo só pensa no Tremor, o Tremor muda o nosso mundo, muda a nossa Ponta Delgada.  A mudança é uma cidade de gente na rua, de vida e de esperança, uma mudança que ultrapassa os cinco dias de música nos locais mais insólitos, os cinco dias de verdadeira descoberta da cidade.

Começou num armazém armador em Rabo de Peixe, onde os navios ganham vida, e terminou no Cais da Sardinha. Pelo meio, autocarros misteriosos, exposições, conversas e música, muita música. O melhor, o prato forte, estaria guardado para o final. O sábado de Tremor trazia-nos um sem fim de concertos, espalhados por toda a cidade, e uma autêntica romaria. Não podíamos faltar, claro, e aqui fica o que mais nos impressionou.

A inconsolável tristeza de só conseguirmos viver o sábado do Tremor a partir das quatro da tarde rapidamente desvaneceu com os WE SEA na Casa do Bacalhau. Por entre arcadas e um leve odor a bacalhau – na verdade, não podia cheirar a outra coisa na casa do verdadeiro peixe português – uma das bandas mais interessantes no panorama da nova música açoriana vinha com tudo. Num formato com quatro executantes – que sinceramente esperemos que adoptem para a posteridade – os WE SEA mostraram que ser açoriano pode ser uma vantagem na criação musical. Conseguiram pegar na açorianidade que lhes corre nas veias e, com uma execução irrepreensível e impressionante, deixaram-nos de sorriso na cara e prontos para um dia que se adivinhava arrebatador.

A tarde caminhava a passos largos para a noite, mas havia ainda luz pelas ruas de Ponta Delgada. A necessidade de prontamente encerrar os janelões do Raiz Bar com suas enormes portadas e o fumo intenso que corria do palco fazia antever algo único. Um vulto de um gigante aparecia de costas, justamente em frente a uma intensa e incessante luz intermitente, deixando o público atónito. Em contraluz e num cenário aterrador, envolto em sons verdadeiramente caóticos e gritos repetidos, estava Yves Tumor. A cena de entrada provou um arrepio na nuca e fez-nos esperar algo de inesquecível no Tremor, mas a música sinistra e aparentemente sem métrica continuou por longos minutos e acabou por nos ultrapassar. Yves trazia algo extraordinariamente alternativo, com uma sonoridade e musicalidade difíceis de alcançar –  o que rapidamente se notou com o esvaziar da plateia inicialmente repleta de curiosos. Partimos sem arrependimentos,  afinal o Tremor também é descoberta, e toda a descoberta pode ter finais menos felizes.

Dizem que Tremor é amor.  Será muito amor, certamente, mas para nós que estivemos de pé quente no Coliseu Micaelense – Tremor é Bonga! Depois de um dia repleto de música vinda de todo o mundo, com as mais variadas referências e sonoridades, com instrumentos mais ou menos estranhos e os resultados mais variados, eis Bonga, o septuagenário de reco-reco na mão que vinha por o Tremor verdadeiramente a tremer. Coliseu completamente lotado, onde até à última fila, bem cá no fundo, dançava-se compulsivamente ao sabor de África, ao sabor de um som quente com alma. “Tá bonito” diria Bonga – não diríamos melhor, mas di-lo-íamos com uma lágrima no canto do olho.

Manuel Silva

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WE SEA © Carlos Brum Melo / Tremor

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Um Tremor com muita música açoriana

Num Tremor cheio de réplicas interessantes, aqui o enviado especial começa por destacar precisamente aquela que causou mais impacto…literalmente. Foi no Raiz Bar com os Stone Dead a fazerem corar de vergonha um concorde a descolar!

Do alto dos altos décibeis, o quarteto de Alcobaça esgrimia argumentos pró-rock a cada tempo. Num registo tanto energético como harmonioso. Várias vezes fui transportado para uma atmosfera Brit Rock principalmente devido aos arranjos vocais. Numa outra nota, como disse uma vez Freddie Mercury: “para ouvir música compra-se o raio do disco, quem compra um bilhete quer espetáculo”. E nessa ordem de ideias, o baterista de Stone Dead vale o preço do bilhete. É o espetáculo dentro do espetáculo, é mais expressivo que Jim Carrey, e tem a hercúlea missão de dar 59873 notas por minuto.

Tentei não perder nenhum artista regional, mas o mau tempo atrasou os concertos na Rua do Aljube, pelo que acabei por seguir em frente, até porque rap não é necessariamente a minha cena (que os deuses do hip hop me perdoem e os deuses do rock me protejam!),  apesar de ter espreitado ainda o início da performance de Swift Triigga.

Fixei-me no “Cantinho”: The Quiet Bottom. Foi uma surpresa bem agradável. Já conhecia e reconhecia alguns membros da banda, mas nunca se sabe se a química funciona! Funciona! Uma boa textura sonora, bons intérpretes, boa ‘vibe’.

Três moradas mais abaixo um trio lisboeta, repleto de açorianidade: Silicon Seeds. Esse era um dos que não podia perder. Tinha de ver e ouvir Tiago Franco, o guitarrista que eu vi crescer e agora vejo voar. E neste projeto ele abraçou aquilo que era o que lhe faltava para abraçar o mundo: o papel assumido de lead vocal/frontman/compositor. O Blues Rock ganha outra vida nas mãos deste imperador da guitarra. Atenção que o imperador não estava só, o rei acompanhava-o. King John, em pessoa, a assumir o papel de baixista e a alinhar em cada compasso como se não houvesse mais nada a acontecer no mundo! O baterista não é açoreano, mas para se dar bem com eles é boa pessoa, e é bom baterista! Como gosto de dizer, os melhores trios são os de 3 pessoas!

Ainda apanhei Flamingods! Aquela world music, naquela garagem, dava um ar mais industrial do que se esperava mas… no embalo do Tremor, se calhar era mesmo o que se pedia.

Lázaro Raposo

stone dead © Carlos Cabral Melo 09

Stone Dead © Carlos Cabral de Melo / Tremor

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Foto de Destaque: Bonga © Carlos Brum Melo / Tremor

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