A eterna reminiscência de Absolutely Live


Primeiro ouve-se o público um pouco mais excitado do que devia. Depois o apresentador tenta acalmar a multidão. E finalmente o grito mágico: Ladies and gentlemen, The Doors!

O objecto de desejo da multidão está ali e a “cerimónia vai começar”. John Densmore marca o ritmo com a introdução de bateria, depois ouve-se o baixo do órgão de Ray Manzarek (nunca tiveram um baixista e utilizaram um órgão com baixo acoplado) e logo a seguir Robbie Krieger dedilha as primeiras notas na guitarra. Jim Morrison canta então “I walked a mile of barbed-wire…”. Trata-se de um clássico de 1956 de Bo Didley. A seguir mais uma canção alheia, a célebre Alabama Song da dupla Kurt Weill e Bertolt Brecht, escrita em tempo da República de Weimar. É ainda a bateria de Densmore que domina, mas falta animação. E aí vem ela com outro clássico, este de Willie Dixon e cantado originalmente por Howlin’ Wolf, Back Door Man. À batida de Densmore sobrepõe-se o grito de Morrison. A versão é poderosa e não envergonha os dois velhos mestres. Robbie Krieger acorda e dá um bom solo. Depois, quase sem nos apercebermos seguem-se outros dois blues, estes “produto da casa”: Love Hides e Five to One. A “cerimónia” vai de vento em popa. Chegará a vez do inevitável When the Music’s Over, muito do agrado do público e que se presta a algumas das artimanhas de Morrison. Close to You é outra canção de Dixon, mas agora cantada, e bem, por Manzarek. O som do órgão sobressai e lembramo-nos da importância desse instrumento no som dos Doors.

Jim Morrison leu em tempos o poeta francês Rimbaud e quis sê-lo também. Que o tenha conseguido tenho sérias dúvidas, mas há quem pense que sim. Nos concertos havia sempre momentos mais desinteressantes e Petition to the Lord não é excepção. Not to Touch the Earth é um interlúdio no meio da dita “poesia”, um momento mais animado que lhe permite a “dança índia”, reminiscência do acidente que testemunhou num deserto, em criança, e que envolveu índios. O concerto termina com Soul Kitchen, outro ícone dos Doors e de novo com Krieger a sobressair. Concerto? Bom, não é bem assim. Não se disse mas tem-se estado a falar do álbum duplo Absolutely Live, publicado em 1970. Paul Rothchild, o produtor, fez um bom trabalho e reuniu uma autêntica manta de retalhos, gravados aqui e ali, criando um todo homogéneo. A geração que os acompanhou divinizou o disco e outro tanto fez a minha, que o conheceu meia dúzia de anos depois. Para quem nunca vira o grupo ao vivo, era uma forma de imaginar esse estranho ritual, misto de música e campo de batalha. Essa foi a imagem que nos deixaram – e no rock ‘n’ roll, não esqueçam, prevalece o mito. Era realmente um disco notável para a juventude da altura e quem o ouvia estava um grau acima  dos desgraçados que não o tivessem feito.

Agora, com os anos, Absolutely Live perde um pouco do viço original. Não é esse o caso do seu trabalho verdadeiramente notável, o primeiro álbum The Doors, de 1967, que inclui duas das melhores canções do grupo, Light My Fire e The End que tão bem aproveitou a Francis Ford Coppola no início do seu Apocalypse Now. Contudo, Absolutely Live será sempre uma reminiscência muito agradável que ficará na memória.

Francisco Zambujo

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“R-Evolution”: a história dos Doors em vídeo

Das imagens a preto e branco, com cenários pobres e ‘playback’ envergonhado de uma banda pouco conhecida e bem comportada, à explosão de cores e à ousadia irreverente que acabou por ser a grande marca da banda, “R-Evolution” dá a conhecer o fascinante percurso dos Doors. Editado em 2013, o DVD reúne participações em programas de televisão, filmagens inéditas e vídeos da maioria dos grandes êxitos da banda, e inclui um livro com factos curiosos. Para os Doors, o vídeo foi mais do que apenas uma forma de promoção da sua música, foi mais uma forma de arte, afinal, as duas figuras mais carismáticas da banda – Jim Morrison e Ray Manzarek – conheceram-se na conceituada UCLA, onde ambos estudaram cinema.

João Cordeiro

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Foto de destaque: © Elektra Records / Joel Brodsky

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