A música e a literatura correm no sangue de João Félix


João Félix Natural de Angra do Heroísmo, foi um dos finalistas do concurso Angra Sound Bay. Neto do poeta açoriano Emanuel Félix, tem na música e na literatura as suas paixões.

Toda a sua infância, a herança familiar e o lugar onde nasceu – Angra do Heorísmo – produziram um espírito contemplativo e uma alma de artista. A extensa coleção de vinil do irmão mais velho, com muita música dos Beatles, contribuiu para despertar nele uma precoce vocação para a música. Com 12 anos, recebeu como presente de Natal uma guitarra elétrica e outra, acústica, no ano seguinte. Isso ajudou bastante num processo de formação musical, autodidata, sobretudo. Começou a compor as suas próprias canções e, por volta dos 17 anos, começou a ser convidado para tocar em bares e eventos.
Entretanto, foi desenvolvendo outra paixão, pela Literatura, que o levou a prosseguir estudos em Lisboa, aos 18 anos, precisamente nesta área. Para ele, há uma identificação total entre música e literatura.

Como músico, o processo criativo do João passa por absorver ideias num determinado momento e condensá-las em canções. Começa sempre pela guitarra e quando lhe vêm à cabeça os acordes de uma melodia, quase sempre surge também a inspiração para uma letra que é aprimorada, mais tarde. O seu universo musical é muito abrangente, mas radica sobretudo no folk e no blues norte-americanos que, por sua vez, possuem influências diversas, como as africanas, inglesas e célticas, por exemplo. De resto, a música que o João mais ouve é toda em inglês, por isso é nessa língua que ele compõe, com naturalidade.

O seu discurso sobre inspiração é rico e intimista; inspira-se sobretudo nas pessoas e nos lugares em seu redor, nas suas relações pessoais e na sua visão do mundo; o processo é natural, por exemplo, uma das suas canções, “The Orchard”, foi inspirada por um pomar que é para ele um lugar mágico. Uma outra, intitulada “Another Beam of Light”, fala sobre como ninguém realmente tem tempo suficiente para fazer aquilo que mais deseja. Em resumo, em sintonia com o que dizem muitos outros songwriters, a criação musical, para o João, é um processo espontâneo que implica depois um trabalho final rigoroso.

Confessa que as suas influências são muitas e inumeráveis, indo dos Beatles (onde tudo começou) a J.J.Cale, passando por Bob Dylan e Johnny Cash… A canção preferida no momento é Freight Train, de Elizabeth Cotten, mas no dia seguinte pode ser outra…no dia-a-dia, ouve sobretudo bandas e songwriters atuais.

A opção por viver na ilha implica limitações óbvias. Mas há o outro lado, muito pessoal, que o João gosta de salientar, qualquer coisa no ar e nas pessoas que é gratificante e inspirador. Contudo, também gosta muito de viajar e considera os contrastes muito estimulantes.

Quanto a projetos futuros, em breve o João vai lançar um EP, “The Orchard”, ainda a ser misturado, que foi gravado recentemente no estúdio Soundivision, com o Rodrigo Rodrigues. Foi feito de uma forma muito crua, em poucos takes. Muito pouco foi acrescentado depois e a filosofia por detrás deste trabalho foi mesmo não polir demasiado as canções. Pensou um bocado em álbuns que adora, como o Nebraska, de Bruce Springsteen e a versão nova-iorquina mais minimalista do Blood on the Tracks, de Bob Dylan. Faz parte, também, do projeto Contos & Canções: trata-se de um círculo de songwriters, com o Flávio Cristóvam, a Sara Cruz e o Romeu Bairos, que já fizeram dois concertos, no Faial e em São Miguel.

No futuro, o João acredita que nunca vai deixar de ter este impulso de escrever canções e de querer tocá-las para as pessoas. O que mais deseja, como artista, é que a sua música mude a vida de alguém como a música que ouviu mudou a sua.

Em relação ao futuro da música original nos Açores, o João pensa o seguinte:  poderá ser enorme se aprendermos a deixar-nos inspirar uns pelos outros, e a acreditarmos em nós próprios, já que os Açores são um ninho de poetas; seria bom ver artistas açorianos a tocar constantemente pelos palcos, auditórios e festivais; achamos sempre que o que vem de fora é melhor, e isso simplesmente não é verdade. Por isso, também, há em muitos músicos açorianos um sentimento de derrota já antes sequer de começar uma carreira. Se mudarmos mentalidades e começarmos a apostar em músicos açorianos, então, coisas incríveis poderão acontecer.

João encarou positivamente a sua participação no Angra Sound Bay de 2019; a verdade é que já tinha saudades de tocar os seus temas ao vivo, o que não acontece assim tantas vezes; foi uma oportunidade de fazer um concerto e partilhar um palco com artistas que respeita e admira, salientando a presença estreante do Henrique Bulcão. Pensa que foi muito enriquecedor e devia acontecer algo assim muito mais vezes.

Não podíamos deixar passar em claro o facto do João ser neto de Emanuel Félix, o conhecido poeta terceirense, falecido em 2004. Sobre isso, o João confidenciou-nos o seguinte: “(…) existe, sem dúvida, uma enorme influência do meu avô em quase tudo o que eu faço (…)  Há muita gente que me questiona como é que eu posso escrever letras em inglês quando o meu avô era um grande poeta português… Bem, o meu avô foi uma das primeiras pessoas a incentivar-me a continuar a escrever em inglês quando eu lhe mostrei algumas das minhas primeiras letras.   No fundo, a minha música reflete a minha visão do mundo e essa tem muito a ver com a minha infância, em que ele foi uma figura absolutamente marcante”.

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Crédito Foto: Direitos Reservados

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