Antes do YouTube a música andava debaixo do braço


Por volta de 1969-1970 a informação de que dispunha para além da rádio, e de forma bastante limitada, da chamada Pop Music/Rock, era quase nenhuma. Para que a internet aparecesse ainda haviam de passar alguns anos. A revista Mundo da Canção (1969), o jornal Musicalíssimo (1972) e talvez meia dúzia de livros da Livraria Paisagem e da Regra do Jogo. A regra desses anos era sobretudo rédea curta e porrada à descrição.

O regime, mesmo não estando já nos “seus melhores dias”, continuava mouco a novidades e aquela malta da guedelha grande, descalça e aos berros, cheirava a decadência a léguas. Mas o que é certo é que vendiam muito bem e as poucas grandes casas de discos cá existentes queriam participar no negócio. E lá iam aparecendo. Os Beatles, o Dylan, os Doors, Jimi Hendrix, Joan Baez, Rolling Stones, ou em fim de carreira, ou já tendo dado o seu melhor. E outros novos iam aparecendo.

Por mim, começara um pouco mais a sério com os Black Sabbath e Led Zeppelin. E foi um momento incrível quando consegui cravar aos “velhotes” os 150 escudos (menos que um euro mas caro como burros nessa altura) para comprar o “Vol. 4” dos Black Sabbath. Umas calças de ganga e o cabelo um pouco maior já não eram suficientes para criar estatuto. Era necessário mais qualquer coisa, e um disco, dos “bons”, era o artefacto dos artefactos. Junto ao Mina Velha de Queluz juntava-se a rapaziada com os discos debaixo dos braços. Um com o “Led Zeppelin II”, outro com o “Ummagumma” dos Pink Floyd, outro com “Atomic Rooster”, e outro com o “Experience” do Hendrix.

O dinheiro não era muito e o empréstimo rapidamente se tornou uma instituição que permitia um conhecimento mais alargado daquilo que mais nos agradava. Um outro complemento importante era o cinema. Mas por aí não nos safávamos. O filme “Woodstock” (1970) só seria visto depois do 25 de Abril. Os velhinhos do regime, ou pelo menos as senhoras do Movimento Nacional Feminino, não queriam que víssemos aquelas Evas sem parra, ou ouvíssemos um Joe Cocker quase em êxtase a recriar uma canção dos Beatles. E outros filmes nem sabíamos que existiam. Mas havia uma coisa em Queluz e que nunca mais vi, pelo menos tão maravilhosa: uma ‘jukebox’. Numa taberna, o sítio onde seria menos de esperar um objecto destes. Por uma moeda (não me lembro de quanto) ouviam-se duas canções. Pobres bêbados que gramavam de princípio ao fim o “Paranoid” e o “Whole Lotta Love” ou o “Black Dog”. Abençoada invenção muito antes de se sonhar com a vastidão quase infinita do YouTube.

Pela altura a que me refiro, os Beatles estavam em vias de se desfazer e Bob Dylan já fizera o que de melhor tinha para fazer, apesar de assomos competentíssimos nos anos que se seguiriam. Os Velvet, envolvidos em brigas fratricidas, voltariam costas uns aos outros e Lou Reed e John Cale partiriam para carreiras a solo que tiveram alguns bons momentos. Os Rolling Stones ainda teriam fôlego para um “Sticky Fingers” e um “Exile on Main Street” e chegariam ao tempo da “rede” a pavonear uma áurea que já morrera há muito. Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison estavam em véspera de morrer e de deixar algumas sobras inéditas e desinteressantes, que aguçaram a gula de produtores espertalhotes que reinventam mil maneiras de vender eternamente a mesma espécie de lixo.

Mas há excepções e quinze anos depois de morrer, publica-se a que será provavelmente a melhor obra de Hendrix, “Jimi Plays Monterey”, um hipnótico concerto que se mantinha inédito.

mundo da canção nº9

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