Bossa nova ‘renovada’ no palco do Teatro Micaelense


Quem estava à espera de ouvir apenas os grandes êxitos da bossa nova teve de ‘contentar-se’ com “Águas de Março” e “Samba de Verão”, mas não se pode queixar de ter sido enganado, até porque o nome da banda – Bossarenova – é o espelho do conceito apresentado em palco, que vai muito além da simples reposição do cancioneiro composto e celebrizado por Tom Jobim e companhia.

O dicionário diz que ‘renovar’ pode ser ‘reestruturar’, ‘revigorar’, ‘reorganizar’ ou ‘regenerar’. Se recorrer a um piano, a um trompete e a pequenos instrumentos de percussão não faria, por si só, cumprir o anunciado objetivo de renovar a bossa nova, o mesmo não se poderá dizer da introdução de teclados eletrónicos, ou do recurso a pedais de efeitos para alterar o som do trompete ao ponto de ser utilizado como uma espécie de ‘beatbox’.

Ao contrário do que à partida seria de esperar, o trio Bossarenova não trata apenas de dar uma nova vida a temas da bossa nova, mas também de introduzir o ritmo e a sonoridade deste estilo musical brasileiro em temas de outros géneros, como aconteceu com “Black Bird”, dos Beatles, ou em composições de Schumann.

Para perceber por que razão acaba de surgir um nome alemão neste artigo, é preciso ter dois aspectos em conta. Primeiro, que o projeto Bossarenova surge em 2009 com uma parceria entre a Stuttgart Radio Big Band e Paula Morelembaum para assinalar os 50 anos da bossa nova. Segundo, mas não menos importante, que isso aconteceu antes da célebre goleada, 7 a 1, com que a Alemanha humilhou o Brasil no último mundial de futebol, caso contrário, “Um a Zero”, de Pixiguinha, nunca teria sido escolhido para fazer parte do repertório, facto que deu azo a animada troca de ‘galhardetes’ antes do início do tema. É que, no que toca a nacionalidades, Paula Morelembaum está em minoria, fazendo-se acompanhar por dois alemães: Ralf Schmid e Joo Kraus. Juntos são os Bossarenova Trio, ou, como ela própria apelidou, “a mais pequena big band do mundo”.

Brincadeiras e trocadilhos à parte, é deste ‘improvável’ cruzamento entre duas culturas tão opostas que surge uma nova abordagem à bossa nova, mais próxima do jazz moderno e da música experimental.

Não há dúvidas que Paula Morelembaum é a cara e a alma do espetáculo, afinal, além de ser a única brasileira do trio, partilhou o palco com António Carlos Jobim, o mais destacado compositor e músico da bossa nova, durante dez anos. Ralf Schmid é o cérebro, responsável pelos arranjos desde o início, ainda com a big band. Para Joo Kraus fica tudo o resto: ora toca trompete, ora percussão, tanto pega no microfone para cantar como volta ao trompete para emitir sons que marcam o ritmo. Um dos pontos altos da noite foi mesmo um complexo solo de assobio, perfeitamente afinado, e de perder o fôlego.

Quem estava à espera de ouvir apenas êxitos da bossa nova pode ter sido surpreendido. Mas não pode ter ficado desiludido.

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Foto: Fernando Resendes

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