David Bowie – o camaleão – foi quase sempre subvalorizado


Não escrevi este artigo em Janeiro de 2016, aquando do seu desaparecimento, para não ser interpretado como mais um dos “fiéis fás” que o conheciam vagamente (ou não o conheciam de todo), mas também não quero esperar mais dois meses, para não parecer um artigo saudosista e comemorativo do aniversário da sua morte. Bem, saudosista será sempre. Vistas as coisas, estamos a falar de um homem que teve uma carreira produtiva, com 27 álbuns de estúdio, tendo o último, BlackStar, sido gravado, literalmente, nas últimas!

Apesar disso, fica sempre a impressão de que Bowie foi sempre, de certa forma, subvalorizado. Se calhar, a enorme quantidade de obras lançadas foi o seu esforço adicional para poder entrar num panteão onde merece efetivamente estar, mas do qual surgem sempre outros nomes, que não o de David Bowie.

Teve os seus momentos bons, teve os seus momentos menos bons, e teve os seus momentos mágicos!

Como diria Jack the Ripper: “Vamos por partes…”

Creio que a imagem mais antiga que tenho de Bowie, é ele vestido com um casaco com o padrão da bandeira do Reino Unido. É a capa de “Earthling” (1997). Não sabia eu que era uma época bem distante de um “Ziggy Stardust” ou “Scary Monsters”. Dois anos depois sai “Hours”. Eu já estava na adolescência e já prestava mais alguma atenção, mas ainda não conhecia David Bowie, apesar das infindáveis emissões do single “Thursday’s Child” nas rádios.

Por esta altura já tocava música (os meus amigos guitarristas devem estar a pensar, neste momento: “Mas tu não és baterista?”), já emprestava e pedia discos emprestados, e já tentava perceber o que se tinha passado numa época anterior à minha, em que me sentia com dificuldade em enquadrar musicalmente.

“Let’s Dance” e “China Girl”

Curiosamente, estes dois temas até são do mesmo álbum, “Let’s Dance” (1983), que é tão novo e fresco quanto eu! Mas eu não os conhecia daí. Eram presenças assíduas em colectâneas dos anos 80, ou no VH1 (ai, que saudades do tempo em que os canais de música passavam música!). ‘Ok’, são temas ‘mainstream’, que foram grandes êxitos a nível mundial fruto da sua “acessibilidade pop”, mas… havia algo ali, algo mais que os tornava distintos: os vídeos, as letras, os arranjos, as ideias, desde aquela guitarra que aparece solta ao minuto e quarenta de “Let’s Dance”, à hipnotizante linha de baixo de “China Girl” ( ‘dandandan duram pam…’) e a forma como ele grita “It’s in the whites of my eyes…”! Este gajo é bom! Só, ainda, não sabia quanto. Só anos depois descobri a origem daquele solo de guitarra que conseguia sobressair no meio de tanta coisa boa. Como era isso possível? Fácil. Era, nada mais, nada menos, do que Stevie Ray Vaughan. Simples, mas de mestre, pois foi um mestre!

Um feliz acaso

Numa altura em que ainda se ouvia música nos canais de televisão de música, mudando de canal apanhei um “David Bowie Live at the BBC Radio Theatre”. Foi aí que ouvi pela primeira vez, “Ashes to Ashes”, “Fame”, “Absolute Beginners”, a versão original de “The Man who Sold the World”, que, embora soubesse que fosse da sua autoria, só conhecia a versão imortalizada pelos Nirvana. Era oficial: David Bowie tinha mais um fã!

Web 2.0 

Com o surgimento de uma segunda geração de serviços e comunidade cibernauta, para o bem e para o mal, o conteúdo passou a ser disseminado mais facilmente. Isso inclui, naturalmente, a música. Nesta altura comecei a minha demanda de conhecer Bowie a fundo (entre outros, claro), conseguindo aceder a discos e músicas que antes eram praticamente inacessíveis a quem vive no meio do Atlântico.

Com o Youtube, o Grooveshark, e mais recentemente o Spotify, fui confirmando a minha opinião sobre Bowie, o homem que se inventou e re-inventou tantas vezes. Percebi porque era “o camaleão”. De certa forma, foi o tio do punk, o avô do new wave, e o irmão de Jagger e Iggy Pop. Tocou com Queen e narrou Prokofiev. E fez cinema, muito cinema. Até certo ponto, ele foi de facto “the man who changed the world”!

Discografia

Elencar um disco ou outro é injusto, tendo em conta a natureza deste artigo, mas gostaria de salientar três momentos a que o leitor poderá dar a devida atenção: o período entre 1970 e 1973, com quatro álbuns, (destaque para “Hunky Dory”), o período entre 1976 e 1977, com três álbuns (aconselho a ouvir “Low” com atenção) e o período entre 1979 e 1980, com dois álbuns, sendo um deles o magnífico “Scary Monsters”.

Curiosamente, como já tinha referido nestas páginas, “Blackstar”, o último álbum da sua carreira (e vida), foi um aproximar deste período dourado.

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