Miguel Araújo é o verdadeiro contador de histórias


O nome do disco não engana: “Crónicas da Cidade Grande”. Ao segundo disco, que é, de certa forma, conceptual, Miguel Araújo dá-nos a conhecer “meia dúzia” de personagens e as suas experiências. Histórias simples, comoventes ou humoradas, sobre pessoas normais, nas quais é muito fácil revermo-nos.

“José”, segundo tema disco, transportou-me de imediato a casa dos meus avós, onde passei os melhores momentos da minha infância, ao tempo em que tínhamos a capacidade de transformar um pequeno quintal num mundo de aventuras infinitas. O mesmo pedaço de terra podia ser, de manhã, um rio, e à tarde uma floresta.

Miguel Araújo tem essa capacidade extraordinária de nos absorver com as suas letras – simples, informais e descontraídas – e consegue elevar as coisas normais do dia-a-dia a autêntica poesia. Afinal, não é qualquer artista que consegue incluir a palavra “dejecto” numa letra, sem perder o nível.

Esta é, aliás, uma capacidade que Miguel Araújo tinha já demonstrado no espectáculo “Como Desenhar Mulheres, Motas e Cavalos”, com Nuno Markl.

“Crónicas da Cidade Grande” reúne treze canções – essencialmente baladas – sobre encontros e desencontros, amor e casamento, infância e adolescência, destino e morte, na vida do José dos Santos, da Laurinha, do Salomão, e de tantas outras personagens sem nome.

“Contamina-me” é a explosão que contrasta com a contenção de quase todos os temas. Uma música para bater o pé do início ao fim, com um estilo próximo de alguns temas do mais recente disco dos Azeitonas, banda em que Miguel Araújo é guitarrista.

É verdade que este disco não tem nenhum ‘hit’ instantâneo com a genialidade desconcertante de “Os maridos das outras”, que deu a conhecer Miguel Araújo, mas mostra um artista muito completo, que está à vontade com a composição e interpretação, e que não sabe fazer uma má melodia. Parece tudo tão fácil.

Miguel Araújo é, para mim, o cantautor mais interessante da nova geração de músicos portugueses. Vejo-o como uma espécie de Rui Veloso. Aliás, os dois conhecem-se bem: Rui Veloso foi o responsável pelo lançamento dos Azeitonas, há mais de uma década atrás, e pretende mesmo contar com a colaboração de Miguel Araújo num futuro disco.

O disco, que conta com a colaboração de Inês Viterbo, António Zambujo e Marcelo Camelo, entrou directamente para o segundo lugar da tabela de vendas em Portugal. E deve continuar por lá por algum tempo.

 

Outra forma de de ouvir os mesmo temas

Para assinalar o lançamento de “Crónicas da Cidade Grande”, Miguel Araújo fez um pequeno “showcase” no Auditório Luiz de Vasconcellos, da Impresa, para uma plateia presencial reduzida, mas também com transmissão na internet.

Sozinho no palco, apenas com a guitarra eléctrica, descontraído, bem disposto e informal, Miguel Araújo apresentou algumas músicas do novo disco totalmente despidas de orquestrações.

Se ainda houvesse dúvidas, esse concerto (que pode ser visto na internet) mostra duas coisas: que Miguel Araújo é genuinamente talentoso e que as boas canções funcionam mesmo no seu estado mais elementar.

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