Myrica Faya dão nova vida à música tradicional açoriana em “Vir’ó Balho”


À partida, um disco de música tradicional açoriana editado em 2014, seria apenas mais um disco com música tradicional açoriana. No entanto, “Vir´ó Balho”, dos terceirenses Myrica Faya, é muito mais do que isso: é uma reinterpretação do cancioneiro regional dos Açores aos olhos de uma geração que, conhecendo e honrando as suas raízes, tem o mundo à sua disposição, e consegue fazer uso deste conhecimento para transportar temas tão nossos como “Os Olhos Pretos” ou “San Macaiao” para uma dimensão diferente, próxima daquilo que pode ser denominado como “world music”. Adjetivação que, neste caso, pode ser justificada pela mistura de instrumentos e sonoridades de diferentes continentes: ao lado da viola da terra – o instrumento mais típico dos Açores – surgem, não só outros instrumentos a que a música tradicional não é estranha, como a guitarra acústica, o acordeão, o cavaquinho e a flauta, mas também instrumentos exteriores a este universo, como o piano, a guitarra elétrica, o trombone, o trompete, e outros metais, assim como instrumentos de percussão como o pote, o “cájon” e a bateria.
Mas mesmo os temas que recorrem apenas a instrumentos típicos da música tradicional demonstram uma ousadia nos arranjos, na procura de acordes mais complexos, variações na melodia da voz  e solos instrumentais que consegue surpreender, sem deixar de fazer todo o sentido.
Com experiência acumulada em outros projetos, sendo as tunas académicas o denominador comum, os Myrica Faya tiveram a coragem de pegar em pedaços da identidade dos Açores e dar-lhe uma nova vida que, nas palavras dos próprios,  é “resultado de um longo processo de pesquisa, desconstrução, amadurecimento e recriação”.
A excelência das vozes é outra surpresa do disco. Se por vezes é difícil encontrar um bom vocalista, imaginem três: Pedro, Ricardo e Bruno assumem as vozes principais. Mas a “bagagem” de quilómetros de estrada com outros projetos musicais permite  que todos os elementos contribuam para os coros.
O trabalho de estúdio, a cargo de João Mendes também merece destaque positivo neste trabalho. Em São Miguel, o disco encontra-se à venda apenas na loja Maviripa.
O Meia de Rock conversou com Cláudio Oliveira sobre os projetos da banda:
Qual o vosso passado musical, e como é que surge este projeto?
Todos nós temos ligações à música com diferentes origens. Desde a música clássica ao rock, passando pelo folclore, bailinhos de Carnaval e as tunas universitárias. Aliás, foi por termos uma ligação ao mundo das tunas que nos conhecemos e que surgiram os Myrica Faya. Um arranjo inicial de um tema tradicional dos Açores aliciou-nos para que resolvêssemos explorar outros temas. Daí a nos termos deparado com um manancial quase inesgotável de riqueza lírica e melódica foi um ápice. O entusiasmo em torno dessa fonte, a nossa música tradicional, e das experiências que com ela fazíamos foi crescendo e com ele surgiu a formação deste grupo.
Faz parte dos vossos planos compor temas que possam um dia vir a integrar o cancioneiro regional?
Enquanto membros dos Myrica Faya, não faz parte dos nossos planos compor temas originais. Para já, a ideia é continuarmos a explorar o rico património da música tradicional açoriana e ver até onde ele nos leva. Não pensamos sequer que um dia possamos ter o virtuosismo de compor um tema emblemático e que faça parte do cancioneiro regional. Quando tal acontece, deve-se à memória coletiva das pessoas que adotam o tema como sendo seu, independentemente da maior ou menor qualidade de quem o compôs. Por outras palavras, quando se compõe algo, mesmo que seja um arranjo sobre algo existente, como é o nosso caso, não se tem esta pretensão inicial. Esta decisão está na sensibilidade de quem ouve.
Desde o lançamento do disco, têm tido muitos concertos. Por onde é que têm andado e que concertos têm agendados para os próximos tempos?
Sim, felizmente o trabalho teve uma grande aceitação. Depois do concerto de apresentação no Auditório do Ramo Grande, estivemos nas Sanjoaninas, nas Festas da Praia, no Festival Maia Folk em Santa Maria, no Festival Folk Celta em Ponte da Barca, na Tertúlia Castelense na Maia e em algumas freguesias da ilha Terceira. Brevemente estaremos no Teatro da Luz, em Lisboa para tocar em direto no programa “Viva a Música” da Antena 1. Tocaremos ainda em Sintra na Taverna dos Trovadores e no bar “Adufe” em Lisboa. Estão ainda em agenda um concerto em Angra do Heroísmo e um na ilha de S. Miguel, para os quais ainda se estão a ultimar pormenores.
Tanto quanto sei, ainda não tocaram em São Miguel…
Ainda não tivemos o prazer de tocar em S. Miguel. No entanto, caso tudo se conjugue, estaremos brevemente na ilha do Arcanjo para apresentar o nosso disco “Vir’ó Balho”. Sabemos que o trabalho tem tido boa aceitação nesta ilha e este fator aumenta a vontade de aí nos apresentarmos. Em relação aos promotores de espetáculos, temos feito contactos. Muitos deles já começam a conhecer o nosso trabalho e é uma questão de perceberem se aquilo que fazemos vai ou não ao encontro do que pretendem para as suas organizações.

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