Noite intimista com Jorge Palma no Teatro Micaelense


Ainda não tinha soado o primeiro acorde, quando uma queda aparatosa – mas habilmente resolvida – deixou o público a temer o pior: ‘será que não está em condições de atuar?’. A dúvida – legítima, dado o historial do músico – desfez-se, rapidamente. Afinal, quem é que consegue ver um pequeno degrau num palco desconhecido e às escuras? A partir daí foi sempre a subir.

Num ambiente intimista, alternando entre os momentos a solo, ao piano ou à guitarra, e os momentos em formato trio, acompanhado pelo filho – Vicente Palma – na voz e guitarra ou piano, e por Gabriel Gomes (ex-Madredeus e Sétima Legião) no acordeão, Jorge Palma fez desfilar todos os grandes êxitos da sua longa carreira, perante um público que estava lá, provavelmente, para isso mesmo: para ouvir as canções que fazem parte da banda sonora da sua vida.

Quando estamos perante um artista tão popular, com canções que sobrevivem ao tempo e atravessam décadas, passando de geração em geração, e que se agarram à ponta da língua, como “Frágil”, “Dá-me Lume”, “Deixa-me Rir”, “Bairro do Amor”, ou o mais recente “Encosta-te a Mim”, a tendência natural é familiarizarmo-nos de tal forma com a voz, que acabamos por esquecer a música que suporta aquelas palavras que sabemos de cor. Ver Jorge Palma ao piano é encontrar o enorme compositor e pianista que sempre foi. Ouvir “Estrela do Mar” é assistir ao auge desta magia: a certa altura, os dedos percorrem o piano de forma aparentemente aleatória e desconexa, que parece impossível que corresponda à beleza sublime daquilo que estamos a ouvir.

Mas não é só a genialidade das composições que, com o tempo, nos finta a atenção e começa a passar despercebida, é também o valor das letras de Jorge Palma. O ambiente íntimo e a desconstrução das músicas, apresentadas de forma acústica e com arranjos simples, foi também uma forma de voltar a esbarrar de frente com a criatividade lírica de Jorge Palma.

Se em Ponta Delgada Palma teve companhia em palco, o mesmo não aconteceu no concerto do dia anterior, na ilha do Faial, em que o músico esteve sempre sozinho. O mau tempo pregou uma partida – típica nos Açores – e impediu o avião que trazia Vicente Palma e Gabriel Gomes de aterrar no aeroporto da Horta. A chegada a São Miguel também não foi fácil, e incluiu uma passagem forçada por Santa Maria. O episódio foi narrado numa das poucas conversas com público, em que Jorge Palma disse ter-se divertido imenso a tocar sozinho, porque pôde dar largas à imaginação em improvisos, lembrando, em tom de brincadeira, que para tocar em grupo “o pessoal quer ensaiar”. O momento, que arrancou gargalhadas, resume a essência de Jorge Palma: liberdade.

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Jorge Palma e Sérgio Godinho “juntos” em CD

Se um encanta muita gente, dois encantam muito mais. Jorge Palma e Sérgio Godinho andaram pelo país a tocar, juntos, as músicas um do outro. A gravação de um destes concertos – na cidade de Braga – está agora disponível em CD: “Juntos ao vivo no Theatro Circo”. Existe também uma edição especial com duplo CD acompanhado de DVD. Uma boa prenda de natal para os admiradores destes dois monstros da música portuguesa. O regresso ao palco desta parceria está marcado para 2016, nos coliseus de Lisboa e Porto, a 25 de Fevereiro e 4 de Março, respectivamente.

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Foto: Fernando Resendes / Teatro Micaelense

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