Xutos estão de volta com olhos abertos e língua afiada


Confesso que já não prestava atenção aos Xutos & Pontapés desde “Dados Viciados” (1997), disco que ouvi vezes sem conta, e que ainda hoje me agrada. Desde então tive apenas contactos esporádicos com a música dos Xutos, ora ao vivo, em algumas das suas passagens por São Miguel, ora através da rádio: “Para Sempre”, “Mundo ao Contrário”, “Ai se ele Cai”, e “Fim do Mês” são músicas mais recentes que quase toda a gente sabe cantarolar.

No início da semana passada, ouvi “De Madrugada (Tu & Eu)”, uma balada simples e comovente que apresenta o novo álbum dos Xutos – “Puro” – que comemora os 35 anos de carreira da banda. Fiquei com vontade de conhecer o disco.

Primeira constatação: apesar da natural evolução que sofreu ao longo de mais de três décadas, o som dos Xutos continua absolutamente inconfundível.

Se no álbum anterior, de 2009, os Xutos disparavam a sua raiva em direcção ao “senhor engenheiro” em “Sem Eira nem Beira”, mais de três anos depois, perante a situação do País, a crítica social só poderia subir de tom. É um facto que os Xutos & Pontapés nunca tiveram medo das palavras, mas a crueza das letras de “Puro” mostram que não amoleceram com a idade. Aquilo que no início era, porventura, irreverência, parece agora mais consciente e reflectido.

Exemplo disso mesmo é “O Milagre de Fátima”: destemido retrato de um País que continua a só querer “Fado, Fátima e Futebol”. Um País que prefere ignorar o que se passa à sua volta, mesmo “que se roubem os velhos” e “que nada se passe, a não ser a fome”.

Num País extremamente católico, cantar “pega na vela e torna a acender, derrete a cera e torna a vender, ninguém pára a irmã Lúcia”, exige firmeza e convicção. Ser uma banda com o peso dos Xutos ajuda, claro.

Não sendo temática nova para os Xutos, o problema da falta de emprego e a consequente emigração, cantada em “Barcos Gregos” (1985), volta a estar presente neste álbum, onde também há espaço para a crítica ‘embrulhada’ em humor, quando se fala num “restaurante que morreu de ASAE e excesso de IVA”.

Como os próprios cantaram, “o que foi não volta a ser, mesmo que muito se queira”. Os Xutos de 2014 não são os mesmos dos anos 80, mas “Puro” parece-me uma excelente forma de festejar o longo percurso de uma das poucas bandas portuguesas no activo que consegue ser transversal a várias gerações. Prova incontestável do sucesso é o primeiro lugar nas tabelas de vendas logo na primeira semana.

 

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